A responsabilidade é do núncio do Vaticano em Lisboa, dizem algumas vozes. O problema está nos cinco padres (ou seis, segundo outras fontes) que já recusaram o convite, acrescentam outras. As dioceses de Bragança-Miranda e de Setúbal estão sem bispo há mais de um ano (Bragança passou agora os 500 dias) e não há maneira de haver nomeação de um novo bispo. O 7MARGENS perguntou ao núncio (embaixador) da Santa Sé em Lisboa, antes da Páscoa, se haveria novidades em breve, mas o bispo Ivo Scapolo deu instruções para que a carta enviada por correio electrónico não tivesse qualquer resposta.
Tudo isto ocorre num quadro em que mais cinco dioceses estão à beira de ficar sem bispo: Manuel Felício (Guarda), por limite de idade, e João Marcos (Beja), por razões de saúde, já pediram para sair. O cardeal Manuel Clemente (Lisboa), Antonino Dias (Portalegre) e Manuel Quintas (Algarve) atingirão os 75 anos ainda este ano e no início do próximo.
No caso de Bragança-Miranda, a primeira a ficar sem bispo, a diocese conta já mais de 500 dias (502 nesta quarta-feira, 19 de Abril) sem titular, desde que José Cordeiro foi nomeado arcebispo de Braga, em 3 de Dezembro de 2021 – há 16 meses.
O padre José Ribeiro, 61 anos, que trabalhou onze anos na Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, em Roma (entre 2010-2021), diz que o não haver bispo nomeado significa que “alguém não faz o trabalho de casa – e quem não o faz é a nunciatura”.
Vários clérigos de Bragança atestam, no entanto, que seis padres já recusaram o convite para o cargo de bispo de Bragança. Esta semana, o 7MARGENS soube que um padre da diocese de Lamego recusou essa possibilidade. E, nas dioceses a norte de Leiria e Santarém, há mais dois nomes identificados que enjeitaram a possibilidade de nomeação para bispo. Outros dois, cujo nome não nos foi referido, terão dado a mesma resposta.
O próprio cardeal Marc Ouellet, que até há dias era o prefeito do Dicastério para os Bispos, do Vaticano, confidenciou há meses que, em todo o mundo, há cerca de 30 por cento de padres que recusam o convite para bispo.
Confrontado com estes dados, o padre José Ribeiro insiste em que “a nunciatura tem toda a responsabilidade”. No seu trabalho no Vaticano contactava com bispos de todo o mundo e compara: o Brasil tem 278 dioceses e a nomeação de bispos “funciona como um relógio: não sai um sem se nomear outro”, só muitos poucos casos são excepção.
Perguntas para não responder
Nas perguntas dirigidas ao núncio apostólico, o 7MARGENS questionou o bispo Scapolo com este “longo atraso” na nomeação dos novos bispos, “sobretudo agora, quando se avizinha a JMJ e no momento de preocupação que a Igreja está a viver em Portugal, com a divulgação do relatório sobre os abusos sexuais”. Ao mesmo tempo, sobre este último tema, perguntava-se também se o Papa tomou conhecimento do referido relatório, através da Nunciatura. E se, “comparando a situação de Portugal com o que se passou no Chile, a solução para o momento difícil que a Conferência Episcopal atravessa poderia passar pela colocação dos lugares de bispo à disposição do Santo Padre, para que ele possa decidir o futuro de cada diocese”. O núncio, no entanto, prefere não acusar sequer a recepção do correio de jornalistas, como já antes tinha feito, conforme informou uma funcionária da Nunciatura.
Alberto Pais, 40 anos, professor do ensino secundário e teólogo em Bragança, diz sentir que as pessoas que conhecem estes processos ficam “incomodadas por estarem há tanto tempo sem bispo” e ainda “por terem ido dois membros do presbitério diocesano para Braga”.
Uma referência ao facto de Bragança ter “perdido” dois clérigos para Braga: quer o agora arcebispo da cidade minhota quer o padre Delfim Gomes, que foi pouco depois nomeado para seu bispo auxiliar, são oriundos do clero brigantino. Em Outubro, na altura desta nomeação, vários padres de Bragança, Setúbal e Angra (que também esteve 14 meses sem bispo, como já tinha acontecido com Viana do Castelo) manifestaram estranheza e incredulidade.
José Cordeiro, o agora arcebispo de Braga, admite que “gostaria que em breve fosse anunciado um novo nome” como seu sucessor. Mas em relação ao facto de ter visto o seu pedido de um auxiliar para Braga satisfeito quase imediatamente diz apenas que “não ousava esperar” essa brevidade “e também pensava que fosse mais rápida a sucessão” em Bragança.
E mais perguntas
“O trabalho fundamental de um núncio” é preparar os dossiês, diz o padre José Ribeiro. “E o pior é o que se passou com a nomeação” do novo bispo auxiliar de Braga, acrescenta, com o núncio a aceitar nomear primeiro o auxiliar em vez do sucessor para Bragança.
O padre José Carlos Martins, capelão da Misericórdia de Bragança e responsável de nove paróquias, critica também a nomeação de um bispo auxiliar para Braga antes de haver um para Bragança. “Como se tem essa ousadia?”, pergunta. “Cada dia que passa a situação degrada-se”, diz, apesar do papel positivo do administrador apostólico, padre Adelino Paes. “No terreno é que se sente.”
Adelino Paes, no cargo desde a saída de José Cordeiro para Braga, desconhece as razões de tanta demora. “Presumo que o processo está a decorrer com normalidade, ainda que não com brevidade. Estamos a aguardar ansiosamente”, afirma, acrescentando que não tem “conhecimento de recusas”.
Na Missa Crismal de Quinta-Feira Santa, que presidiu na presença de todo o clero da diocese, o bispo emérito de Bragança, António Montes Moreira, começou a sua homilia por afirmar que continua a rezar com a diocese para que Deus “remova as dúvidas e hesitações dos homens e em breve conceda” um novo bispo a Bragança-Miranda.
Vários membros do clero leram estas palavras como uma referência ao papel do núncio e às recusas de vários padres em aceitarem os convites que lhes são dirigidos.
Alberto Pais, o único não-clérigo ouvido pelo 7MARGENS, admite que não sabe “a quem compete acelerar o processo”, mas faz várias perguntas a propósito das recusas: “O episcopado é visto como uma carreira? Será por ser esta diocese? Ou pelos desafios a enfrentar de um território vasto e população reduzida? Espantam-me as recusas, os padres têm de ter um espírito de missão.” E conclui, com uma nota lateral: “Os leigos deveriam ter mais participação nestes processos.”
Setúbal: núncio sorri e pede para esperar
Em Setúbal, a diocese está vaga desde 28 de Janeiro do ano passado – há quase 15 meses –, quando o bispo José Ornelas foi nomeado para Leiria-Fátima. São 446 dias, completados nessa quarta, 19.
“O núncio sorri e vai dizendo para esperar”, diz o padre José João Lobato, administrador apostólico desde então. “Há duas possibilidades para explicar o facto: ou Setúbal não é uma diocese fácil; ou os convidados não aceitam porque são livres de o fazer ou não.”
A maior parte do clero da diocese está ansioso, diz ainda o responsável interino. Setúbal iniciou um sínodo diocesano para assinalar os 50 anos da diocese em 2025, mas agora há muita coisa “parada, ninguém pode decidir nada”. Sobre a atitude dos católicos, diz que “as pessoas se vão habituando”, o que “também é problemático”. E acresce a este quadro “a dificuldade da situação presente”, com vários padres a serem “atacados, a viver situações difíceis” por causa dos abusos sexuais.
Um outro clérigo da diocese diz que se tem falado, nos últimos tempos, de um padre da diocese de Beja mas que trabalha na zona litoral, e do bispo auxiliar de Braga, Nuno Almeida, como hipóteses para a nomeação. “É uma grande nebulosa e uma situação complicada para o novo bispo”, até pela relevância que tem em Setúbal um grupo de padres ligados ao movimento Comunhão e Libertação, olhado como mais “conservador”.
“É quase um não assunto, as pessoas já se acostumaram”, refere um terceiro clérigo ouvido pelo 7MARGENS. A mesma ideia é referida pelo padre Daniel Nascimento que, sendo parte do clero da diocese, está actualmente a fazer doutoramento em Jerusalém, na área da Bíblia. “Tenho uma perspectiva muito limitada: dou aulas, não tenho paróquia, não tenho contacto contínuo com comunidades concretas. Mas, mais do que queixas, sinto estranheza: as pessoas não percebem esta demora, mas já pouco falam disso.”
A situação tem “um efeito negativo entre o clero e as comunidades, pela falta do bispo que reúna e trace uma linha unificadora”. O padre Daniel ouve comentários de quem tem a ideia “de que está cada um para seu lado” e que, com a Jornada Mundial da Juventude à porta, a situação não se devia ter arrastado. “O padre Lobato tem feito o que pode, mas um administrador não pode fazer tudo.”
De qualquer modo, Daniel Nascimento também não responsabiliza o núncio: “Não sei dizer. Culpar o núncio é muito fácil, mas a pressão recente por causa dos abusos exigirá muito mais cuidado na escolha e também torna compreensível que haja mais recusas.” E conclui: “Um processo pouco ágil, com as recusas e o momento que estamos a viver, dá nisto.”
Voltando a Bragança, mas olhando para o mundo que também ficou a conhecer nos 11 anos em que trabalhou no Vaticano, o padre José Ribeiro nota: “Há tempos, cruzei-me com um político português que me disse que o nível dos bispos está a baixar consideravelmente. Não admira que, quando são solicitadas pessoas, algumas sejam sensatas suficientemente para recusar.”
| 19 Abr 2023, aqui
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