A Igreja não tem só deveres, também tem direitos. A sua firme atitude contra a pedofilia exige, por parte da comunicação social, respeito, que foi o que não houve em relação a D. Manuel Clemente
O ataque mediático contra o Cardeal Patriarca de Lisboa serviu para demonstrar que, neste caso, não houve, da sua parte, nenhuma negligência ou omissão. Pelo contrário, desde o primeiro momento o Senhor D. Manuel Clemente manifestou a sua preocupação pastoral pela vítima, indo ao seu encontro e disponibilizando-se para a ajudar, apesar do alegado crime não ser passível de denúncia, por já ter prescrito. Na sua actuação, observou as normas civis e canónicas pertinentes, como aliás o anterior Patriarca.
Apesar da comprovada inocência do actual Cardeal Patriarca de Lisboa, este escândalo mediático – não faltou quem pedisse a sua demissão! – foi possível. Assim se prova como, não obstante os abusos de menores que não foram devidamente denunciados pela hierarquia, é fácil manipular a opinião pública, quando se trata de difamar a Igreja. A presunção de inocência, que se deveria aplicar a todos os cidadãos, deu agora lugar a uma suspeição generalizada em relação aos bispos e sacerdotes católicos, criando um clima persecutório quase pidesco. É necessário que todos os crimes de pedofilia, dentro e fora da Igreja, sejam perseguidos até às suas últimas consequências, mas sem dar azo a que os justos paguem pelos pecadores ou, impunemente, se ataque a Igreja, que não responde pelos crimes dos seus fiéis, como o Estado também não é responsável pelos delitos dos seus cidadãos.
Corria a década de sessenta – não consigo precisar o ano – eu tinha uns 4 ou 5 anos e frequentava o Colégio de São José, no Restelo. Por sinal, como sou trigémeo, os três estávamos na infantil, que era mista, não obstante a escola ser então feminina. Tínhamos três irmãos mais velhos e ainda nasceriam mais dois. Nessa escola dava-se ainda a feliz circunstância de uma nossa tia, por sinal madrinha de uma das minhas gémeas, ser educadora infantil.
Um dia, a nossa mãe foi ao colégio, para tratar de algum assunto relativo às nossas irmãs mais velhas, que também lá estudavam, ou a nós os três. Não sei como, nem porquê, mas quando a vi, quis ir com ela para casa, sem esperar pelo fim das aulas. Sei que me procurou dissuadir desse capricho, mas não fiquei convencido com os seus argumentos, que acatei. Ou não, porque segundo conta a história, mordi a mão da religiosa que servia na portaria do colégio, quando procurava reconduzir-me para a minha sala, até que chegasse a hora de, na carrinha do colégio, voltar para casa.
Confesso que a mordidela na bondosa extremidade superior da pobre dominicana não atormentou a minha (in)consciência moral. Também não me vangloriei desse precoce acto de raivoso anticlericalismo. Ainda sou anticlerical – detesto o clericalismo! – mas, graças a Deus, menos violento: nunca mais mordi as piedosas mãos das esposas de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Para minha surpresa, no dia seguinte fui exemplarmente punido por esse meu acto carnívoro. Não sei se alguma vez soube o nome da vítima, mas nunca esqueci o da superiora, porque nos ocorria, instintivamente, mal a víamos: Socorro! Pois bem, nessa manhã, a boa da Madre Socorro teve por bem, ou por mal, contar do alto das escadas, a todas as professoras e alunas do colégio, que ocupavam totalmente os seus vários lanços, a minha façanha da véspera. Lembro-me que, depois da sua arenga, chamou-me à sua presença e, diante de todos, atou-me as mãos, como castigo pela minha má acção, que releva tanto no âmbito da ira, como da gula. Teria sido mais lógico que me tivesse amordaçado, mas a Madre Socorro preferiu manietar-me. Não sei quanto tempo permaneci de mãos atadas, mas a improvisada amarra não deve ter durado muito, pelo que, pouco depois, seguramente, recuperei a liberdade de movimentos.
Devo dizer que não só não fui expulso, embora talvez merecesse, como a minha permanência no colégio decorreu depois sem mais incidentes. Terminada a infantil, passei para o masculino Colégio Clenardo, também dominicano, e não voltei ao de São José, onde talvez tenha a cabeça a prémio, ou seja ainda persona non grata. Guardo uma excelente recordação dos meus tempos aí vividos, bem como, depois, no Clenardo, de onde transitei para o Liceu de Pedro Nunes, no qual concluí os meus estudos liceais, já depois do 25 de Abril.
Esta história real tem todos os ingredientes de um caso mediático que, devidamente ‘trabalhado’ por uma certa comunicação social, serviria perfeitamente para montar mais um escândalo contra a Igreja e, até, contra o Patriarca que, na altura, talvez ainda fosse o Cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira, ou o seu sucessor, D. António Ribeiro. Para o efeito, bastaria que um jornalista pouco escrupuloso publicasse a notícia com um sensacionalista título: ‘Colégio católico maltrata aluno de 4 anos!’. Claro que, para o escândalo ser mais pungente, conviria que algum pedopsiquiatra garantisse, a pés juntos, que, como consequência do castigo que me foi aplicado, eu padecia desde então um profundo trauma. Um advogado pouco consciencioso, de preferência com experiência em chantagens a entidades de beneficência, poderia exigir, por irreversíveis danos morais, uma choruda indemnização. Talvez algum dos meus condiscípulos de então pudesse testemunhar a meu favor, já que a minha mãe e tia não estariam disponíveis para o fazer – por razões de decência moral que nem todos compreenderão – nem, pela mesma razão, as minhas gémeas, se é que ainda se lembram do episódio. E, na impossibilidade de agir contra a dita religiosa, cuja identidade desconheço, ou a referida Madre Socorro, há muito falecida, porque não proceder contra a sua Ordem religiosa, que bem poderia vender o colégio para me compensar?! Em última instância, poderia sempre recorrer para o Patriarcado de Lisboa que, como é óbvio, é o máximo responsável por toda a actividade católica na diocese e, portanto, pelos maus-tratos de que fui vítima! Que o Patriarca não sabia de nada?! Soubesse!! Não é para isso que existem os Patriarcas?!
Desculpe-se o tom irónico desta fantasia, criada a partir de uma história real. Atenção: que ninguém se atreva a pensar que se trata de uma farsa aos gravíssimos – não exagero! – abusos de menores na Igreja! Desde a primeira hora, em múltiplas crónicas aqui publicadas, exigi justiça e verdade para estes casos. Seria de muito mau gosto referir com ligeireza ou, pior ainda, com troça, qualquer caso de abuso de menores. Não é legítima nenhuma cumplicidade com os agressores, sejam eles quais forem. A Igreja que, graças à tolerância zero, laicizou um cardeal, demitiu vários bispos e expulsou inúmeros padres, já demonstrou que está, como ninguém, seriamente empenhada na luta contra a pedofilia. Bom seria que o Estado, e outras instituições, onde este flagelo grassa mais do que na Igreja, lhe seguissem o exemplo.
Mas a Igreja não tem só deveres, tem também direitos. Esta firme atitude do Papa Francisco e da hierarquia exige que haja, por parte da sociedade e, mais concretamente, da comunicação social, respeito, que foi o que não houve no referido caso contra o Senhor Dom Manuel Clemente. Quem o atacou deve, pela sua imperdoável leviandade, ou manifesta má-fé, um pedido formal de desculpas ao Patriarca de Lisboa. Todos os católicos, sobretudo os fiéis diocesanos da capital, foram ofendidos por esta injusta difamação contra um dos seus mais ilustres e queridos prelados, que já foi várias vezes Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. Foi também uma inaceitável ofensa a um exemplar cidadão e homem de cultura – não em vão, é prémio Pessoa! – que honra Portugal com o seu saber, justiça e caridade.
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