Não foi Deus quem "enviou" a epidemia de Covid-19. Provocou-a o comportamento incorreto dos homens e mulheres, principalmente em termos de higiene e alimentação. De resto, esta pandemia é uma espécie de quaresma do capitalismo e denuncia e evidencia muitos dos pecados da chamada sociedade globalizada.
Pela mesma razão, não será Deus a "interromper" a epidemia, com uma
iniciativa espetacular e fulminante, como um relâmpago que desce do alto
dos céus, sem que nós não façamos a nossa parte, sem que nós não
invertamos o rumo dos nossos caminhos e das nossas metas ambiciosas de
desenvolvimento e progresso, que tocam o limite e provocam a exaustação
do nosso Planeta.
Esperar por milagres sem a nossa conversão é não conhecer o rosto do Deus que Se revelou em Jesus Cristo.
Um Deus que resolve as situações magicamente, por ímpeto de
condescendência ou por ira divina, é um falso Deus. Pensar assim faz
parte de um imaginário mitológico pagão, que parte da visão de um "Deus
ex machina", que contrasta claramente com a nossa fé em Jesus Cristo.
N’Ele Deus assumiu a nossa condição humana, até ao fim, padecendo como
nós, padecendo connosco, padecendo por nós.
O nosso Deus, o Deus
de Jesus Cristo, não é um Deus distante, apático, que, lá do alto,
poderia, por um momento, lembrar-Se de nós. E, que por capricho ou
vingança, nos deixa morrer. Não. O nosso Deus é-nos mais íntimo a nós
que nós a nós próprios (Santo Agostinho). Ouvimos na 1.ª leitura da
missa de hoje: “Qual é, na verdade, a grande nação que tem a divindade
tão perto de si como está perto de nós o Senhor, nosso Deus, sempre que O
invocamos”? (Dt 4, 1.5-9).
O nosso Deus é um Deus humanizado e
Crucificado, um Deus que padece e Se compadece de nós, sem nunca se
furtar ou “escapar” miraculosamente a quaisquer limites da nossa
condição humana, nem mesmo ao limite mais extremo da morte. Isto de Deus
Se fazer Homem, em Jesus, não foi uma simples «imitação». Foi mesmo um
assumir a nossa condição, com todas as consequências, até levar e elevar
consigo, pela ressurreição, a nossa humanidade, à sua plena realização.
Por isso, invocar a Deus para transformar magicamente pedras em
pão, é considerado por Jesus um tipo de tentação diabólica a superar, e
não uma forma de oração cristã a recomendar.
E então não devemos rezar, não devemos pedir?
E então não devemos rezar, não devemos pedir?
Do ponto de vista religioso, faz todo o sentido pedir a Deus, que
intervenha diante de uma situação particular de necessidade. Pedir é uma
forma de eu reconhecer que não disponho em mim de tudo o que preciso.
Pedir é uma forma de me abrir ao dom, que recebo de outrem, do outro, de
Deus também, sem o Qual a minha vida perde o seu fundamento. E nesse
sentido a petição põe-me na condição de indigente e, neste sentido,
rompe o círculo da minha autossuficiência. Por isso, importa mesmo rezar
e rezar pedindo e pedindo sempre. A petição é uma forma de entrega
humilde às mãos de Deus, para que Ele dê agilidade às nossas.
No entanto, do ponto de vista evangélico, deve ficar claro que aqueles
que oram sempre se colocam à disposição, para se envolverem ativamente
na própria resposta que esperam de Deus. Muito mal pede a Deus quem nega
aos outros o que pede para si (cf. São Pedro Crisólogo). Santo
Agostinho disse de maneira muito bela: “Deus que te criou sem ti, não te
salvará sem ti”.
Segundo o testemunho de Jesus, o Filho de
Deus, a iniciativa salvífica de Deus precisa – para ser feita "assim na
terra como no céu" – de encarnar, através do esforço e do compromisso
humanos, de todos e de cada um.
Assim, no caso da epidemia que
nos afeta, está em jogo o trabalho de "cura", entendido não apenas como
uma aplicação eficaz de terapias médicas, mas também – ou talvez acima
de tudo – como uma boa prática de dedicação fraterna. Rezar a um Deus
que Se revelou em Jesus, faz-me olhar para o outro como irmão e, nessa
medida, põe-me em ação.
Para ser ainda mais concreto, existe uma
maneira muito simples e acessível de todos se envolverem na iniciativa
de Deus: respeitar rigorosamente as indicações para ficar em casa,
exceto em caso de necessidade absoluta. Há que fazer bem a nossa parte.
Noé foi avisado do dilúvio e construiu a arca. José foi avisados dos
anos de carestia e fez as suas provisões. Maria e José foram avisados da
perseguição e rumaram ao Egito.
Se não fomos capazes de ouvir
os avisos, se não formos capazes desta forma mínima de dedicação
fraterna, que é respeitar as regras, continuar a repetir "Senhor!
Senhor!” não passará de um exercício inútil de superstição miraculosa.
Os portugueses têm afinal um provérbio irónico que, a ser bem
interpretado, faz agora todo o sentido: “Fia-te na Virgem e não
corras!”. O mesmo é dizer: faz tudo como se tudo dependesse de Deus e
faz tudo como se tudo dependesse de ti.
NB:
1. “Deus ex machina” é uma expressão que significa literalmente "Deus surgido da máquina", e é utilizada para indicar uma solução inesperada, improvável e mirabolante para terminar uma obra ficcional; resumindo, é uma espécie de Deus tipo «caixa automática», que age ou reage maquinalmente.
2. Texto inspirado na publicação no fb de Duilio Albarello.
1. “Deus ex machina” é uma expressão que significa literalmente "Deus surgido da máquina", e é utilizada para indicar uma solução inesperada, improvável e mirabolante para terminar uma obra ficcional; resumindo, é uma espécie de Deus tipo «caixa automática», que age ou reage maquinalmente.
2. Texto inspirado na publicação no fb de Duilio Albarello.
Amaro Gonçalo Ferreira Lopes, in Facebook
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