O Zé, a Sofia e o Nelo frequentam o 5º ano. Colegas desde o Infantário, são como irmãos, dão-se lindamente e movem-se num espírito de cumplicidade confiante.
Naquela tarde, os três encontraram-se na casa do Nelo para realizar um trabalho de grupo para a escola. Trabalham lindamente em grupo apesar de serem temperamentalmente muito diferentes. Em trabalho não brincam, assim se habituaram e nesta orientação estão a crescer. Mas terminada a tarefa, aproveitam o tempo para longas conversas sobre os mais variados temas e para intermináveis brincadeiras.
Naquele dia a conversa versou sobre a família que os três apreciam demais, mas da qual se queixam pelo pouco tempo que os pais lhes dedicam.
Sempre mais espontâneo, o Zé foi o primeiro:
- Quando chega do trabalho, o meu pai lancha e vai para o café, regressando a casa para o jantar. A minha mãe cuida das tarefas da casa e vai espreitando a telenovela da hora. Manda-me para o quarto fazer os deveres e se lhe vou dizer que já os fiz, diz-me para ir ver televisão ou então que vá para o computador. Estais a ver. Ela não quer quem a distraia da telenovela. Depois jantamos e o meu pai não quer barulho nem conversas, porque quer ver e ouvir as notícias. Entretanto obrigam-me a ir para a cama. E é assim quase toda a semana.
A Sofia ouviu e tomou a palavra:
- O meu pai não perde tempo, gosta de estar sempre ocupado. Mal chega do trabalho, vai para o campo ou então dedica-se a consertar coisas em casa. A minha mãe não despega do telemóvel. Está a fazer o comer sempre com o telemóvel encravado entre o ouvido e o ombro. Não sei quem tanto tem que conversar! À refeição não querem barulho porque a um ou a outro sempre dói a cabeça. Mal comemos, mandam-me logo para o quarto ver TV ou navegar na net até à hora de ir pra a cama. E é quase sempre assim toda a semana.
O Nelo, que ouvira atentamente os colegas, deixa o seu testemunho:
- O meu pai é diferente. Chega a casa e vai ajudando a minha nas tarefas de casa. Os dois entendem-se muito bem e gostam de se ajudar. Parecem um casalinho de namorados. Não gostam de estar um longe do outro. Só que comigo.... Sabeis? São chatos, parecem polícias. Querem saber tudo o que se passou comigo na escola, quem são os meus amigos no face, para quem mando mensagens, como gastei o dinheiro, com quem converso no skype, que páginas visito na net, com quem andei a brincar... Todos os dias um interrogatório que se prolonga pela refeição. Depois tenho aquele tempo para estudar e estou proibido de ter o telemóvel comigo, de ter a televisão e o computador ligados. Só me posso ausentar para o meu quarto depois de todos terem comido e de ter ajudado a levantar a mesa. Que seca! Ah! E à horinha, lá está um deles a dizer-me que está na hora da higiene para ir para a cama. Sem qualquer tolerância.
- Ouviste o disse na aula o prof. de Português? - perguntou a Sofia. - Para haver comunicação tem que se saber ouvir e poder falar.
- Pois, mas os nossos pais ou não falam ou só falam - concluiu o Zé. Às vezes penso que a minha família é só para as pessoas lá irem comer e dormir. Gostava tanto de brincar, ouvir umas histórias, falar do futuro, dizer o que sinto... Mas os meus pais não estão para aí virados. Nem ao fim de semana! Eles lá vão à vida deles e eu fico sozinho em casa.
- Os meus pais controlam-me completamente - frisou o Nelo. - Importam-se muito comigo, é verdade, mas eu não queria pais-polícias, queria pais que fossem também companheiros, amigos, com quem me sentisse bem a partilhar o que sinto, o que penso e o que vivo.
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