Tem 30 anos. Fizera o 12º ano, mas não quis estudar mais, contrariando fortemente a
vontade dos pais que desejavam que ele prosseguisse os estudos.
Partiu para Lisboa e foi trabalhar para as obras. Foi-se apercebendo, no contacto com as pessoas, que poderia ganhar bom dinheiro nas reparações. Uma torneira que avaria, um lâmpada para substituir, um aparelho de rádio para compor, uma televisão a precisar de conserto, substituição de uns azulejos ou de uns tacos, um puxador avariado, etc, etc.
Embora habilidoso, havia muitas situações que não dominava. Inscreveu-se então numa série de concursos noturnos que o foram preparando tecnicamente para o desempenho de várias tarefas de reparação.
À medida que ia adquirindo competências, acorria aos convites que lhe faziam para consertos. Após as horas de trabalho e aos sábados, lá ia ele no seu Corsa de 2 lugares pelas ruas de Lisboa e arredores fora, subindo e descendo escadas. Às vezes o trabalho era tão simples e rápido que até tinha vergonha de dizer às pessoas 'quanto era'. E o 'não é nada', saía-lhe espontâneo dos lábios. O que é simples para quem sabe torna-se obstáculo inultrapassável para quem não sabe. Por isso, a esmagadora maioria colocava-lhe na mão uma nota que ultrapassava em muito o custo da reparação.
Trabalhador, poupado, eficiente, perfeccionista, aos vinte e tal anos, já tinha a sua própria pequena empresa de construção. Sempre o primeiro a chegar e o último a partir. Era um trabalhador no meio dos seus trabalhadores.
Partiu então para a concretização de um velho e lídimo desejo: possuir a sua própria casa, casar e ter filhos.
Com a crise, o ritmo das obras abrandou muito. Perder a empresa? Abandonar os trabalhadores que com ele tinham feito uma equipa dinâmica, competente e eficiente? Deu voltas e revoltas à cabeça. Reajustou a empresa e mudou de bússola. Em vez da construção, a reparação. Estimulou os seus colaboradores para que frequentassem cursos técnicos conforme as suas habilidades e partiu para a luta.
Um sucesso. A empresa não só manteve os postos de trabalho como os aumentou. Claro que para isso muito contribuiu o "part-time" que há muito dedicava às pequenas reparações, sobretudo porque lhe abriu muitas portas.
Encontrei-o há tempos. Disse-me que de há 3 anos a esta parte, marca sempre as férias para todo o pessoal da empresa na altura das vindimas e da apanha da fruta. E o motivo deixou-me ainda mais admirado. Assim pode deixar os 2 filhinhos com a avó e ele e a mulher vão ganhar uns tostões naquelas atividades agrícolas.
- "Sabe, os tempos não estão para brincadeiras. Quero manter a minha vidinha equilibrada e para isso tenho que lhe dar."
Destes precisávamos de milhões. E então adeus crise para que te quero...
Antes da casa e do carro, a empresa.
Em vez do queixume e do protesto barato, os cursos técnicos que lhe abriram possibilidades.
Perante as dificuldades, jamais a desistência, mas a mudança de rumo.
Em vez do empresário que coça para dentro e pensa só em si, o cidadão solidário e preocupado com a sorte dos seus colaboradores que valoriza.
Em vez de férias, gastando o que tem e o que não tem, mudança de atividade e rentabilização do tempo.
Em vez do carro de alta cilindrada, o veículo utilitário que serve para transportar a família e para o trabalho.
Em vez de horas gastas nos cafés e nas tainadas, o part-time das reparações.
Em vez do snobismo barato e xoxo, as mãos calejadas como uma bandeira de progresso e de dignidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.