Fazem falta artigos como este.
Na minha humilde opinião, e na verdade, ao admitir-se a bênção para pessoas em determinadas situações, também se está implicitamente a reconhecer - e, a meu ver, bem - o que nelas há de humano (e, por isso de divino), de dramático e de exaltante, de abismo e de elevação, de pecado e de graça. E essas pessoas não são «os outros», somos nós, são nossos irmãos, irmãs, filhos, filhas, afilhados etc. Comem à nossa mesa.
Mas sobretudo, com a "bênção pastoral" está-se a reconhecer que não é mais sustentável uma certa visão desconfiada e repressora da sexualidade, que a confina a formas institucionalizadas de vida e parte de uma visão naturalista, que está bem longe de uma visão integrada e integradora, humanizada e humanizadora, da vida afetiva, cujo princípio ético fundamental é o do amor, que se dá ao outro e dele cuida.
Quando nos toca ter à mesa, em casa, em família, pessoas extraordinárias, diria mesmo, santas, mas que não cabem no estreito figurino do "ideal cristão" da nossa catalogação moral, somos, no mínimo, levados a repensar quanto a "ideia" está longe da realidade, quanto "os princípios", a partir dos quais, encaixamos os outros numa bitola de irregularidade, deverão ser repensados, à luz de uma visão antropológica e bíblica, cujos avanços nos têm aberto os olhos pelo menos para o mistério e para a complexidade da vida de cada pessoa, a quem não podemos simplesmente dizer que está fora da norma e por isso excluída dos bens da salvação. E não se pode simplesmente pedir "abstinência" dos gestos que exprimem a comunhão afetiva entre pessoas, a quem não foi dado poder viver assim.
Será preciso ser mais explícito no futuro e dizer bem e bendizer de quanto bem, de quantos sinais de Deus, há naquilo e naqueles em quem só vemos o mal ou a contradição com o nosso ideal. Neste sentido, concordo que à mudança pastoral, subjaz uma releitura dos princípios, a partir de uma hermenêutica, capaz de aprofundar e fazer evoluir a doutrina moral.
De resto, não é preciso ser muito erudito, para perceber quanto ao grande rio da Tradição da Igreja chegaram, ao longo da história, muitos afluentes (influentes), de matriz pagã, que envenenaram de suspeita, de rigidez, de maldição e pecado o prazer sexual que Deus criara para a nossa alegria e humanização.
Às vezes, interrogo-me onde foram buscar tantas "regras", quando a Revelação bíblica, e sobretudo os Evangelhos, parecem tão desinteressados e até omissos sobre questões que hoje constituem as grandes bandeiras da luta pela defesa do Magistério "imutável da Igreja", que, bem vistas as coisas, não é imutável, não disse nem pensou sempre o mesmo e desde sempre. O recursos às fontes históricas era capaz de nos surpreender. Às vezes, valia a pena recuar não até Trento, como se daí para cá o Espírito Santo nos deixasse órfãos, mas até Jesus Cristo, que nos revela o desígnio do Pai. Oh, quanta quinquilharia eclesiástica não seria relegada para o armazém dos acessórios teológicos!
Este artigo pode incomodar os que fizeram da Tradição e dos princípios um produto congelado.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.