Há semanas, vi um vídeo na internet mostrando a entrada de um pároco numa das suas novas paróquias - a chamada "tomada de posse", embora a expressão me enfastie. Diocese do sul do país. Este sacerdote era jovem.
Chamou-me a atenção a forma como o padre se apresentou: cabeção de metro e meio, batina, romeira, faixa e tricórnio eclesiástico. A expressão pura e dura do clericalismo.
Quanto mais o Papa fala do grande mal que é o clericalismo na Igreja, mais alguns se esforçam por o trazer para a praça pública. E são sobretudo os padres mais novos que navegam nas águas passadas do conservadorismo e ultraconservadorismo. Felizmente, é bom e saudável dizê-lo, tal não acontece com todos os padres novos. Ainda bem que alguns não são todos.
"O hábito não faz o monge", diz o povo. Mas parece que para alguns o monge é sobretudo o hábito.
Como se explica este ressurgir de expressões clericalistas entre os sacerdotes mais novos?
Atrevo-me a apresentar algumas tentativas de explicação, consciente da minha limitação:
1. Remar contra a maré. Quando à frente da Igreja prevalece uma linha muito conservadora, os jovens reagem com propostas e atitudes mais progressistas; quando, como é o caso atual, à frente da igreja prevalece uma linha progressista, os jovens reagem com propostas e atitudes conservadoras/ultraconservadoras. Está no "sangue jovem".
2. Necessidade de afirmação. Num tempo em que o prestígio social do clero cai a pique, a vestimenta funciona como "um marcar de terreno", um "toca a reunir", um "remeter para velhos tempos". Ouvi uma vez a um Monsenhor já falecido, padre importante na sua diocese, uma afirmação curiosa. Estávamos em finais da década de 70, quando as vestes clericais estavam a ficar fora de uso. O tal Monsenhor dizia: "Sabem porque continuo a andar de batina e cabeção? Porque transporto comigo o prestígio da Igreja".
Ora aí está!
Que bom seria que a afirmação de tais padres novos NÃO passasse por batinas e cabeções, MAS passasse sobretudo pela iniciativa e dinamismo pastorais, pela criatividade, pelo "pelo cheiro a ovelhas", por oferecerem uma Igreja em saída.... E com isso contagiassem os mais velhos...
3. Formação dos Seminários. Felizmente hoje há situações a que os Seminários vão estando atentos: a presença do feminino na formação dos seminaristas, maior preocupação com o amadurecimento afetivo dos candidatos, uma visão positiva da sexualidade humana, um contacto assíduo com a realidade do nosso mundo, a frequência da Universidade, etc
Mas dada a escassez de vocação, os seminários são muitas vezes coutadas de jovens ligadas a grupos e movimentos tradicionalistas e ultratradicionalistas. E é precioso que os seminários sejam muito seletivos neste ponto. Esses movimentos tradicionalistas tendem a queimar os jovens por dentro. Ficam como terra queimada onde nada de novo nasce.
Bem a propósito. Reparem neste texto do Papa Francisco. 5 estrelas!
«(...) Ou a Igreja é o povo fiel de Deus em caminho, santo e pecador, ou acaba sendo uma empresa de vários serviços, e quando os agentes pastorais tomam esse segundo caminho, a Igreja se torna o supermercado da salvação e os sacerdotes simples funcionários de uma multinacional.
É a grande derrota a qual o clericalismo nos leva. E isto com muita vergonha e escândalo (basta ir às alfaiatarias eclesiásticas de Roma para ver o escândalo dos jovens padres a experimentar batinas e chapéus ou albas e sobrepeliz com renda […] O clericalismo é um chicote, é um flagelo, é uma forma de mundanidade que suja e provoca dano ao rosto da esposa do Senhor; escraviza o santo povo fiel de Deus […] E com que naturalidade falamos dos 'príncipes da Igreja', ou das promoções episcopais como promoções de carreira! Os horrores do mundo, o mundanismo que maltrata o povo santo e fiel de Deus.» (Papa Francisco, 25.10.2023)
Que bom seria!
Que padres novos e velhos; leigos novos e velhos; religiosos novos e velhos... TODOS, TODOS, TODOS vivêssemos centrados em Cristo e descentrados nos irmãos.
E a nossa preocupação visível, testemunhal, fosse Jesus Cristo.
Que não nos pregássemos a nós, mas apenas Jesus Cristo!
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