Em dois momentos bastante
próximos, a temática da família vai ser estudada em duas assembleias gerais do
Sínodo dos Bispos – uma extraordinária e uma ordinária – o que revela a
momentosidade da instituição familiar e o melindre que a sua problemática
representa para a Igreja Católica, no quadro dos desafios que o mundo
contemporâneo lança àquela instituição que até há relativamente poucas décadas
ninguém punha seriamente em questão.
O Papa Francisco, na linha das constantes
preocupações dos seus predecessores, convocou em 8 de outubro de 2013 a III
Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos a decorrer, no Vaticano, entre
5 e 19 de outubro de 2014, que incidirá sobre “os desafios pastorais da família no contexto
da evangelização”, tema amplamente discutido na primeira sessão de
trabalho do Santo Padre com o Conselho dos oito de cardeais. O diretor da Sala
de Imprensa da Santa Sé, o Padre Frederico Lombardi, advertia então que “esta é a maneira pela qual o Papa deseja
promover a reflexão e o caminho da comunidade da Igreja, com a participação
responsável do episcopado de diferentes partes do mundo.”
A esse respeito a
Secretaria Geral do Sínodo deu início à preparação dos trabalhos sinodais mediante
o envio do Documento Preparatório, que suscitou uma vasta e
diversificada resposta eclesial por parte do povo de Deus, não dada a conhecer
por todas as conferências episcopais, diga-se em abono da verdade. O documento,
publicado no mês de novembro de 2013, depois de dois capítulos de reflexão
prévia sobre “o sínodo: família e
evangelização” e “a Igreja e o
evangelho sobre a família” (este desdobrado em “o projeto de Deus Criador e Redentor e o
ensinamento da Igreja sobre a família”), apresenta um questionário estruturado
em oito grupos de perguntas relativas ao matrimónio e à família e mais um epigrafado
por “outros desafios e propostas”.
Os oito grupos de
questões elencam-se segundo os seguintes subtemas, qual deles o mais candente: a difusão da Sagrada Escritura e do
Magistério da Igreja a propósito da família; o matrimónio segundo a lei natural;
a pastoral da família no contexto da
evangelização; a pastoral
para enfrentar algumas situações matrimoniais difíceis; as uniões de pessoas do mesmo sexo; a
educação dos filhos no contexto das situações de matrimónios irregulares;
a abertura dos esposos à vida; e a
relação entre a família e a pessoa.
Este ano, a 24 de junho, o
Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos apresentou o Instrumentum Laboris, que nasce
das respostas ao questionário constante do aludido documento Preparatório.
Aquele Instrumentum, como documento de trabalho-base para a reflexão e
chamariz para as intervenções dos padres sinodais, vem estruturado em três
partes e retoma, em conformidade com uma ordem funcional à assembleia sinodal,
a matéria do referido questionário. A primeira parte glosa a temática do
Evangelho da família, entre desígnio de Deus e vocação da pessoa em Cristo,
quadro em que se relevam o conhecimento e a receção dos conteúdos bíblicos e
dos documentos do Magistério da Igreja, incluindo as várias dificuldades, entre
as quais a compreensão da lei natural. A segunda aborda as várias propostas de
pastoral familiar, os relativos desafios e as situações mais difíceis. E a
terceira parte equaciona a problemática da abertura à vida e da
responsabilidade educacional dos pais, que caraterizam o matrimónio entre o
homem e a mulher (sem margem para dúvidas), com referência particular às situações
pastorais que marcam a atualidade ambivalente, espelhada no mundo. Parece,
mesmo por uma leitura apressada, a aprofundar quanto antes, que nenhum problema
fica esquecido no documento de trabalho, inclusive os atinentes ao ponto do
questionário referenciado como “outros
desafios e propostas”, esperando-se que os
bispos procedam a uma reflexão acurada sem preconceitos e usufruam da liberdade
de intervenção sem inibições.
Na certeza de que as
dificuldades não condicionam irreversivelmente a vida familiar e de que as
pessoas não se encontram ante problemáticas inéditas, a Igreja constata de bom
grado os claros impulsos que parecem induzir uma nova primavera para a família.
Não é por acaso que se encontram testemunhos significativos em inúmeros
congressos eclesiais, onde se manifesta nitidamente, sobretudo nas novas
gerações, um renovado desejo de família e de vida familiar. Perante tal
aspiração, a Igreja sente-se solicitada a oferecer “assistência e
acompanhamento, a todos os seus níveis, em fidelidade ao mandato do Senhor de
anunciar a beleza do amor familiar”. Em seus encontros com as famílias, o Papa
encoraja o olhar com esperança sobre o próprio futuro, recomendando os estilos
de vida pelos quais se gera, conserva e se faz prosperar o amor em família: pedir licença, agradecer e pedir perdão, não
deixando que o sol se ponha sobre desavença ou incompreensão, e tendo a
humildade do pedido de desculpa de um cônjuge ao outro. (cf “premissa” do Instrumentum Laboris).
Sendo assim e, de acordo com o
texto da apresentação do documento de 24 de junho, “considerando
a amplidão e a complexidade do tema, o Santo Padre definiu um itinerário de
trabalho em duas etapas distintas no tempo e no escopo, que constitui uma
unidade orgânica”: a Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo, em 2014, constará
de um trabalho em que os Padres sinodais avaliarão e aprofundarão os dados, os
testemunhos e as sugestões das Igrejas particulares, com vista a enfrentar os
novos desafios sobre a família (trabalho de avaliação, reflexão e
aprofundamento – provavelmente ainda sem decisões resolutivas); e a Assembleia
Geral Ordinária do Sínodo, em 2015, mais representativa do episcopado,
inserindo-se no precedente trabalho sinodal, meditará ulteriormente sobre as
temáticas abordadas para encontrar adequadas linhas de ação pastorais (é o
trabalho de conclusões e linhas de rumo).
Muitas expectativas
estão criadas em torno dos trabalhos sinodais e do carisma lúcido e
voluntarioso do Papa Francisco. São tantas e tamanhas as situações que pedem
uma orientação eclesial caldeada pela exigência e pela abertura, que pode
desenhar-se um sério risco frustracional (parodiando a nossa Presidenta do
Parlamento) face às altas expectativas. Para que o eventual risco fique
jugulado ou ao menos minorado, cada um dos peritos – em teologia, antropologia,
sociologia, psicologia, gestão de afetos, ciências da saúde, etc. – caraterizados
pela suficiente dose de boa vontade deverá oferecer os seus préstimos
reflexivos a tempo e fora de tempo e os bispos, mormente os que tiverem assento
nas assembleias sinodais agendadas, devem auscultar o genuíno sensus Christi et Ecclesiae, refletir em
profundidade e usufruir do direito de intervir sem inibições, de acordo com a
consciência do múnus e do sentido de serviço à humanidade.
A lei não tem de ser
dura nem deixar de o ser; basta que seja feita para o homem e não vice-versa. E
que a lei suprema seja já não a Salus
Reipublicae, mas a Salus Animarum,
não vertida em código de anátemas, mas em código de inclusão das bem-aventuranças.
A nós, que não temos
competências do saber e da intervenção nas pantalhas da ciência e muito menos
no areópago sinodal, resta-nos a poderosíssima arma da lex orandi de que é exemplo o final do Instrumentum Laboris:
Oração à Sagrada Família
Jesus, Maria e José,
em vós nós contemplamos
o esplendor do amor verdadeiro,
e dirigimo-nos a vós com confiança.
em vós nós contemplamos
o esplendor do amor verdadeiro,
e dirigimo-nos a vós com confiança.
Sagrada Família de Nazaré,
fazei também das nossas famílias
lugares de comunhão e cenáculos de oração,
autênticas escolas do Evangelho
e pequenas igrejas domésticas.
fazei também das nossas famílias
lugares de comunhão e cenáculos de oração,
autênticas escolas do Evangelho
e pequenas igrejas domésticas.
Sagrada Família de Nazaré,
nunca mais nas famílias se viva a experiência
de violência, fechamento e divisão:
quem quer que tenha sido ferido ou escandalizado
conheça depressa a consolação e a cura.
nunca mais nas famílias se viva a experiência
de violência, fechamento e divisão:
quem quer que tenha sido ferido ou escandalizado
conheça depressa a consolação e a cura.
Sagrada Família de Nazaré,
o próximo Sínodo dos Bispos
possa despertar de novo em todos a consciência
da índole sagrada e inviolável da família,
a sua beleza no desígnio de Deus.
o próximo Sínodo dos Bispos
possa despertar de novo em todos a consciência
da índole sagrada e inviolável da família,
a sua beleza no desígnio de Deus.
Jesus, Maria e José,
ouvi e atendei a nossa súplica.
ouvi e atendei a nossa súplica.
Amém.
2014.06.27
Louro de Carvalho
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