sexta-feira, 19 de julho de 2013

À MESA DO CAFÉ: FÉRIAS


– O senhor Antunes este ano não vai passar uns dias de férias? Pode ir descansado que eu rego-lhe o quintal e trato-lhe dos galinácios que tem na capoeira…

– Eu sei, Artur, que posso confiar em ti, como se confia num filho…

– Ou mais, senhor Antunes! Olhe que há por aí muitos filhos que não estimam os pais como eu estimo o senhor Antunes! Nem sombras disso! E olhe  que, apesar de vivermos numa terra de bons costumes, há bem quem seja capaz de ir passar umas boas férias à praia, deixando os pais, idosos e doentes, entregues a si mesmos. E alguns, como vossemecê sabe, já nem têm tino para tomarem a medicação a tempo e horas. O Francisco, por exemplo, teve a coragem de me vir pedir para, durante quinze dias em que vai com a mulher para o estrangeiro, passar por casa do velhote, ao menos dia sim dia não, para ver se ele tomava o leite com os flocos que lhe deixava no armário. O Tio Zé já mal se pode movimentar…

– E tu vais passar por lá todos os dias, Artur!

– A minha mulher tem ido lá todas as manhãs dar-lhe a comida e ver se ele toma os remédios. Mas eu não era capaz de deixar assim um familiar chegado e ir por esse mundo fora. Eu e muitos mais! Ainda um dia destes fui ao nosso grande amigo doutor Heitor, para ele me passar uma receita para umas dores que me apareceram aqui no músculo da perna direita, e perguntei-lhe por férias, na intenção de o convidar a passar cá pela terra e, se fosse possível, até participar naquele convívio para que está destinado o galo maior que vossemecê traz na capoeira.

– E ele?

– Talvez possa passar um dia! Mas férias nem pensar nisso, porque tem um familiar chegado praticamente dependente, e não põe a hipótese sequer de o deixar a uma pessoa expressamente contratada para cuidar dele.

– Eu também não sei se posso ir uma semanita com o meu afilhado Miguel. Não me está a apetecer muito este ano sair daqui, até porque não me falta cá coisa nenhuma. Sombra, não a agarro igual em lado nenhum! Água fresca é o que tu sabes: a bica corre aí todo o ano, mais pura e cristalina que a de algumas termas. Comida também não encontro mais saudável em parte nenhuma do mundo…

– Sempre é bom a gente dar uma volta para visitar familiares e amigos. E até por motivos culturais. Eu não, que sou um matarroano que não sabe distinguir uma igreja barroca dum templo românico. Mas o senhor Antunes, tal como o Eduardo, que são homens lidos e cultos, fazem muito bem em visitar, por exemplo, algumas das nossas aldeias históricas. O Eduardo disse-me, duma vez, que era capaz de andar um cento de quilómetros só para apreciar um pelourinho de estilo manuelino, ou coisa no género. Esse não passa sem ir a Trás-os-Montes, ao Douro ou ao Alentejo para ver se o património construído está bem conservado, se não houve nenhum atentado contra algum monumento histórico.

– Eu também gosto de fazer turismo desse género, Artur! Mas as pernas já me começam a faltar para ir a certos locais mais inóspitos…e depois estou sempre dependente ou do meu afilhado Miguel ou de alguém que me garanta o transporte. Porque em matéria de transportes, se exceptuarmos, a linha litoral que vai de Lisboa ao Porto, um homem passa um verdadeiro martírio. Se, por exemplo, tu quiseres ir Vila Viçosa visitar a Padroeira de Portugal, utilizando os transportes públicos, não sei se conseguirás chegar lá em dois dias…

– Há outros lugares tanto ou mais atraentes e muito mais próximos de nós, senhor Antunes! Por vezes pensamos que os lugares bonitos e os monumentos significativos estão lá para o norte ou lá para o sul…e vamos por aí fora, andar quilómetros e quilómetros, para fazermos um piquenique numa barragem qualquer, quando aqui, quase à nossa porta, temos algumas das albufeiras mais bonitas do país. Podia já citar-lhe duas ou três de cor, sem sair dos vales do Barosa  e do Távora. E museus? Temos alguns bem interessantes em Lamego e Viseu, que nunca foram visitados pelos habitantes dessas cidades e seus arredores. E igrejas? Até a nossa merece uma visita, por exemplo, por causa  do seu estilo românico-gótico  e das suas talhas douradas que precisavam de algum restauro, mas, mesmo assim, vale a pena. É um monumento digno de ser admirado. O Eduardo disse-me um dia destes, que a pintura que existe no túmulo manuelino tem cerca de quinhentos anos. E o templo é ainda mais antigo. Apesar disso, vossemecê já viu alguém cá da terra passar um quarto de hora a contemplar aquela belíssima obra de arte?

– Olha, Artur! A maioria dos portugueses que vão passar férias a uma praia só sabem o caminho do apartamento para o areal, desviando-se, quando muito, para algum bar que haja por ali perto ou para a night. Querem eles lá saber de arte, ou de monumentos ou de história da pátria. Culturalmente somos um povo na idade da pedra.

– Há muitas excepções, senhor Antunes!

– Muitas, muitas não há! Até te digo mais! Muitos dos nossos homens públicos, incluindo políticos destacados, não têm uma ideia de nação, de história pátria, de portugalidade. Tirando umas tiradas sobre economia que ninguém entende e os ataques partidários, que mais vem dali?

– Tem razão, senhor Antunes. Eu não sou nem homem público, e muito menos sou político. Mas já fui ao santuário da Senhora da Lapa, à capela de Santa Eufémia e ao Senhor dos Milagres, lá para as bandas da Beira profunda…

– Eu também, Artur! Este ano, porém, dada a situação económica e social do país, eu sou capaz de ficar cá pela terra. Ou melhor: só me decidirei a fazer uma saída desse género, depois de ver onde vão passar férias o nosso Presidente, os nossos ministros e os nossos deputados, incluindo os dos partidos da oposição. Quero ver até onde chega a crise…
 

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