segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Carta de um sacerdote católico para o NEW YORK TIMES


Caro irmão e irmã jornalista:

 Sou um simples sacerdote católico.

Estou feliz e orgulhoso da minha vocação.

Há vinte anos que vivo em Angola como missionário.

Vejo em muitos meios de informação, sobretudo no vosso jornal, a ampliação do tema dos sacerdotes pedófilos, com investigações de forma mórbida sobre a vida de alguns sacerdotes.

Falam de um de uma cidade nos Estados Unidos dos anos '70, de outro na Austrália dos anos '80, e seguida de outros casos recentes... 

Certamente isto deve ser condenado!

Veem-se alguns artigos de jornal equilibrados, mas também outros cheios de preconceitos e até de ódio.

O facto de pessoas, que  deveriam ser manifestação do amor de Deus, sejam como um punhal na vida de inocentes, provoca em mim uma imensa dor. 

Não existem palavras para justificar tais ações. E não há dúvida que a Igreja não pode deixar de estar ao lado dos mais fracos e dos mais indefesos. Portanto, todas as medidas que sejam tomadas para a proteção e a prevenção da dignidade das crianças será sempre uma prioridade absoluta.

Todavia, cria curiosidade a desinformação e o desinteresse para milhares e milhares

de sacerdotes que se gastam para milhões de crianças, para muitíssimos adolescentes e para os mais desvantajosos em todo o mundo! 

Considero que, ao vosso meio de informação não interesse saber que, eu em 2002, passando por zonas cheias de minas, tenha devido transferir muitas crianças desnutridas de Cangumbe para Lwena (em Angola), porque nem o governo se importava, nem as ONG's estavam autorizadas. E penso que também não vos importa que eu tenha tido de sepultar dezenas de criancinhas, mortas na tentativa de fugir das zonas de guerra ou procurando regressar, nem que salvamos a vida a milhares de pessoas no México graças ao único posto médico em 90.000 Km2, e graças também à distribuição de alimentos e sementes. 

Não vos interessa também saber que nos últimos dez anos demos a oportunidade de receber educação e instrução a mais de 110.000 crianças...

Não tem uma ressonância mediática o facto que, com outros sacerdotes, eu tive de fazer frente à crise humanitária de quase 15.000 pessoas guarnições da guerrilha, após a sua rendição, porque não chegavam alimentos nem do Governo, nem da ONU.

Nāo faz noticia que um sacerdote de 75 anos, Padre Roberto, todas as noites percorra a cidade de Luanda e cuide dos meninos da rua, os leve para uma casa de acolhimento na tentativa de os desintoxicar da gasolina e que às centenas sejam alfabetizados. 

Não faz notícia que outros sacerdotes, como o Padre Stefano, se ocupem em acolher e dar proteção a crianças maltratadas e até violadas.

E nāo é de vosso interesse saber que Frade Maiato, não obstante os seus 80 anos, vá de casa em casa confortando pessoas doentes e sem esperança.

Não faz notícia que mais de 60.000, entre os 400.000 sacerdotes e religiosos, tenham deixado a própria pátria e a própria família para servir os seus irmãos num leprosário, nos hospitais, nos campos de refugiados, nos institutos para crianças acusadas de feitiçaria ou órfãs de pais mortos por SIDA, nas escolas para os mais pobres, nos centros de formação profissional, nos centros de assistência aos seropositivos... ou, sobretudo, nas paróquias e nas missões, encorajando as pessoas a viver e a amar.

Não faz notícia que o meu amigo, Padre Marco Aurelio, para salvar alguns jovens durante a guerra em Angola os tenha conduzido de Kalulo até Dondo e no caminho de regresso à sua missão foi cravado de balas; nāo interessa que frade Francesco e cinco  catequistas, para ir ajudar nas zonas rurais mais isoladas, tenham morrido na estrada num acidente; não importa a ninguém que dezenas de missionários em Angola sejam mortos por falta de assistência sanitária, por uma simples malária; que outros tenham morrido por causa de uma mina ao ir visitar a sua gente. No cemitério de  Kalulo encontramos os túmulos dos primeros sacerdotes que chegaram a esta região...nenhum deles chegou a completar os 40 anos!

Não faz notícia acompanhar a vida de um sacerdote “normal” na sua vida quotidiana, entre as suas alegrias e as suas dificuldades, enquanto gasta a própria vida, sem fazer ruído, a favor da comunidade pela qual está ao serviço.

Na verdade não procuramos fazer notícia, mas procuramos simplesmente levar a Boa Nova, aquela que sem ruído iniciou na noite de Páscoa.

Faz mais ruído uma árvore que cai do que uma floresta a crescer.

Não é minha intenção fazer uma  apologia da Igreja e dos sacerdotes. 

O sacerdote não é nem um herói, nem um neurótico.

É um simples homem que, com a sua humanidade, procura seguir Jesus e servir os seus irmãos.

Nele existem misérias, pobreza e fragilidade como em cada ser humano; mas existem também beleza e bondade como em cada criatura...

Insistir de forma obsessiva e persecutória sobre um tema, perdendo a visão do inteiro, cria realmente caricaturas ofensivas do sacerdócio católico e é disto que me sinto ofendido. 

Jornalista: procure a Verdade, o Bem e a Beleza. Tudo isto  o fará nobre na sua profissão.

Amigo... peço-lhe apenas isto... Em Cristo,

 Padre Martín Lasarte sdb 

“O meu passado, Senhor, confio-o à tua Misericórdia; o meu presente ao teu Amor; o meu futuro à tua Providência”.

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