segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Desistir e fugir

Duas situações possíveis

1ª situação:
A Elisa sempre gostou de participar na vida da sua comunidade. Rapariga alegre, pestável e empenhada, mesmo quando foi estudar para Aveiro, continuou ligada à vida da sua associação cultural, ao coral da paróquia e ao grupo de jovens. Aos fins-de-semana, nas férias e sempre que podia, aí estava ela, sorridente e participativa, dando sempre o seu melhor, sem procurar protagonismos, apenas imbuída pelo gosto de servir. Alérgica ao mexerico, jamais se deixou apanhar nas suas teias.
A Elisa completou os seus estudos superiores e foi colocada no Baixo Alentejo. É-lhe agora impossível participar nas actividades dos grupos a que pertencia, por causa do trabalho e da distância. Falou com os responsáveis, expôs-lhes o seu caso, que foi logicamente compreendido, e mostrou disponibilidade para continuar a colaborar pontualmente de acordo com a sua nova situação. Entregou os seus cargos, já que não os podia exercer continuadamente.
A Elisa NÃO desistiu nem fugiu.
Não desistiu, pois continua a colaborar pontualmente sempre que lhe seja possível.
Não fugiu. A vida é que fugiu com ela para o Baixo Alentejo. Não foi por querer esquivar-se aos problemas e chatices que sempre surgem. A vida é que a levou para outras paragens.
A Elisa continua presente.

2ª situação:
O Ernesto tem um feitio muito próprio. Rapaz activo e dinâmico, empenhado nas actividades da associação humanitária, do grupo desportivo e do grupo de jovens aos quais pertenceu, foi sempre muito sensível a qualquer tentativa de exibicionismo e de protagonismo de outrem que o deixava revoltado, insatisfeito e com vontade de desistir. Mesmo quando se manifestava contra o mexeriquismo, ele acabava por alimentar outra forma de mexerico. Sabendo do seu voluntarismo e capacidade de serviço, os responsáveis dos grupos a que pertencia lá o iam animando, falando-lhe ao coração. E o rapaz continuava....
Terminados os seus estudos superiores em Coimbra, fora colocado na Guarda.
Pura e simplesmente deixou de aparecer. Nem uma palavra de explicação. Revelara apenas a um ou outro amigo que abandonava tudo, que se fartara, que não estava para aturar protagonismos, manias e mexericos.
O Ernesto desistiu e fugiu.
Desistiu porque deixou de dar qualquer colaboração aos grupos a que pertencia.
Fugiu. Não foi a vida que fugiu com ele, ele é que fugiu dos problemas. Não foi capaz de encarar de frente as situações e de oferecer o seu contributo para as ultrapassar. Faltou-lhe estofo e humildade, algo que caracteriza as pessoas superiores.
Mas foi pelo facto do Ernesto desistir que desistiram os problemas? Não será a fuga uma forma de covardia baixa?

Obrservação: Este texto é virtual. Não se refere a pessoas, situações e locais verdadeiros.
Apenas um humilde contributo para todos pensarmos no que andamos a fazer na vida.

2 comentários:

  1. A minha vontade agora é de ser Ernesto... Cada caso é um caso, com contornos específicos, mas eu seria um Ernesto. Ando irritada, cansada de tudo...não consigo ter aquela perspectiva tolerante que deve andar algures por aqui, mas que não encontro. Gosto de fazer e de ajudar, mas não gosto que se me dirijam arrogantes e altivos de maneira a demonstrarem que eu tenho mais obrigação do que os outros. E irrita-me sobretudo o protagonismo e o politicamente correcto, principalmente este último. Por que é que as pessoas não jogam limpo? Estou mesmo farta e não ando numa fase de ouvir e calar, falo, porque não está bem; falo porque não me apetece ser hipócrita; falo porque não me preocupo se A ou B vai ficar a pensar mal ou bem de mim; falo porque não tenho tempo de andar a fazer coisas mal, quando as podemos fazer bem; falo porque não há espírito; falo e às vezes penso que nem sei por que falo!!!

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  2. É, às vezes também coloco a mim mesma o que ando a fazer na vida! Umas vezes encontro resposta, outras vezes ela não se apresenta tão clara, mas acredito na sabedoria de quem pensou em nós desde sempre, na utilidade que possamos vir a ter e no projecto, ainda que muitas vezes não o vejamos, não o entendamos, não o sintamos, que há-de ter para nós lá no arquivo. E há momentos em que, na realidade, só me apetece ser Ernesto, mas...

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