1. O tempo parece, muitas vezes, um encadeamento labiríntico de factos impensados e de palavras (também) não muito pensadas.
Dá a impressão de que as palavras «se liquefazem» tão velozmente como as ocorrências. São ditas — e escritas — «em cima» do que passa, pelo que passam igualmente sem deixar rasto que perdure.
2. O tempo — que, em linguagem zubiriana, se tornou uma «transcorrência» acelerada — carece, pois, de palavras que «o digam» para lá da espuma instantânea dos factos.
O tempo anela por palavras que alcancem a sua medula e nos ajudem a penetrar na sua fundura interpretativa.
3. É esta a «leitura» que nos é magnificamente remetida por D. António Couto na sua obra mais recente: «Leitura do tempo em que vamos».
Trata-se de uma afortunada incursão pelo género «ensaio», onde aquilo que se nos atravessa à superfície é tratado com doses penetrantes de profundidade.
4. Como todo o bom autor, D. António Couto começa por se apresentar como atento leitor.
No texto que nos fornece — «daqui, desta planura» —, avulta uma dupla leitura: do tempo e das palavras, em estreita concatenação.
5. A abordagem interdisciplinar — estribada numa vastidão homérica de autores — assegura uma sólida robustez à hermenêutica existencial que nos é oferecida.
Somos, desde logo, advertidos de que vivemos num mundo «assente no senhor “Eu”».
6. É um «senhor» que se presume dono de tudo, mas que também se vê sozinho no meio de tudo.
Resultado? O planeta está povoado de sete biliões de solidões, de «solidões alérgicas».
7. O «excesso e abcesso de autonomia» não nos deixa sequer tomar consciência da nossa radical «auto insuficiência».
É aqui que entronca o tema da eutanásia. Por um lado, ela é requerida em nome do «alargamento da autonomia». Só que aqueles que vão perdendo autonomia «são depositados no sótão das inutilidades e dos desperdícios».
8. O encarniçamento da autonomia — sem ponta de abertura a qualquer heteronomia — vai ao ponto de «abdicar de Deus» ou de projectar «um deus à medida e à imagem do homem».
Largamente inspirado em Levinas, D. António Couto evoca a visitação de Deus «nas rugas, sinais ou vestígios no rosto do outro».
9. É por tudo isto que se impõe a passagem do «eu» ao «eis-me». Há que desencadear uma «subjectividade nova, não patronal, mas […] obediente e assente na bondade».
O «eis-me [aqui], para os outros», que sugere uma «justiça nova», é a única realização digna do ser humano.
10. Não insistamos narcisicamente no «eu nominativo». O «outro» é mais do que complemento directo do «eu». O «outro» é elemento directo de mim.
Longe do «outro», o «eu» pode «rebentar» de tanto querer «inchar»!
Dá a impressão de que as palavras «se liquefazem» tão velozmente como as ocorrências. São ditas — e escritas — «em cima» do que passa, pelo que passam igualmente sem deixar rasto que perdure.
2. O tempo — que, em linguagem zubiriana, se tornou uma «transcorrência» acelerada — carece, pois, de palavras que «o digam» para lá da espuma instantânea dos factos.
O tempo anela por palavras que alcancem a sua medula e nos ajudem a penetrar na sua fundura interpretativa.
3. É esta a «leitura» que nos é magnificamente remetida por D. António Couto na sua obra mais recente: «Leitura do tempo em que vamos».
Trata-se de uma afortunada incursão pelo género «ensaio», onde aquilo que se nos atravessa à superfície é tratado com doses penetrantes de profundidade.
4. Como todo o bom autor, D. António Couto começa por se apresentar como atento leitor.
No texto que nos fornece — «daqui, desta planura» —, avulta uma dupla leitura: do tempo e das palavras, em estreita concatenação.
5. A abordagem interdisciplinar — estribada numa vastidão homérica de autores — assegura uma sólida robustez à hermenêutica existencial que nos é oferecida.
Somos, desde logo, advertidos de que vivemos num mundo «assente no senhor “Eu”».
6. É um «senhor» que se presume dono de tudo, mas que também se vê sozinho no meio de tudo.
Resultado? O planeta está povoado de sete biliões de solidões, de «solidões alérgicas».
7. O «excesso e abcesso de autonomia» não nos deixa sequer tomar consciência da nossa radical «auto insuficiência».
É aqui que entronca o tema da eutanásia. Por um lado, ela é requerida em nome do «alargamento da autonomia». Só que aqueles que vão perdendo autonomia «são depositados no sótão das inutilidades e dos desperdícios».
8. O encarniçamento da autonomia — sem ponta de abertura a qualquer heteronomia — vai ao ponto de «abdicar de Deus» ou de projectar «um deus à medida e à imagem do homem».
Largamente inspirado em Levinas, D. António Couto evoca a visitação de Deus «nas rugas, sinais ou vestígios no rosto do outro».
9. É por tudo isto que se impõe a passagem do «eu» ao «eis-me». Há que desencadear uma «subjectividade nova, não patronal, mas […] obediente e assente na bondade».
O «eis-me [aqui], para os outros», que sugere uma «justiça nova», é a única realização digna do ser humano.
10. Não insistamos narcisicamente no «eu nominativo». O «outro» é mais do que complemento directo do «eu». O «outro» é elemento directo de mim.
Longe do «outro», o «eu» pode «rebentar» de tanto querer «inchar»!
João António Teixeira, Facebook
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