Como acompanhar pastoralmente uma pessoa que peça a eutanásia? Como conciliar o princípio da misericórdia com a necessidade de afirmação da doutrina? Fez as perguntas porque, como disse, conhecia casos de pessoas no estrangeiro que pediram a eutanásia e quiseram receber a Santa Unção. E rematou assim: Como procederias numa situação destas? E a esta questão ou conjunto de perguntas que me foram feitas há dias, poderia acrescentar outras tantas, da minha lavra. O que fazer se te pedissem um funeral religioso, com missa incluída, depois do defunto ter sido eutanasiado? Que dizer a um crente que é favorável à eutanásia e que participa activamente na comunidade cristã e/ou tem responsabilidades na mesma?
Quando as primeiras perguntas me foram dirigidas, não imaginei o que teria de remoer, desculpem o termo, sobre o assunto. Na altura esbocei uma resposta breve e pouco reflectida. Não era uma resposta sem sentido, mas precisava, pelos vistos, ser mais sentida. Tenho-a carregado nos ombros, junto com as outras perguntas que, entretanto, diante da hipotética legalização da eutanásia, me foram inquietando na minha missão e vocação sacerdotal. Perguntas que me obrigaram, pelo menos, a não fazer de conta que não é necessário pensar em possibilidades que não pensava.
A moral e ética cristã leva a opor-nos a qualquer afronta à vida humana, como dom de Deus, onde se inclui a eutanásia, a distanásia ou o suicídio assistido, porque o afã de dispor das nossas vidas, de certo modo, nos afasta de Deus, o único dono da vida. Mas isso não significa que este mesmo Deus não nos tenha dado a liberdade de sermos donos das nossas opções e de usarmos o livre arbítrio. O mesmo Deus infinitamente misericordioso.
Tenho pensado muito nisto. Não concordo, de todo, com a eutanásia, distanásia e suicídio assistido. Sou de opinião que o sofrimento faz parte da nossa condição humana e tem muito sentido nas nossas vidas. Não quero assumir responsabilidades diante da morte assistida. Não sou favorável a criteriologias que separam as pessoas em categorias. Não quero fazer parte de uma sociedade da cultura de morte e do descartável, uma sociedade irresponsável e que vive de modas ou de opiniões. Mas também lembrei a minha reação natural perante casos de suicídio, onde sempre evitei julgamentos e acreditei na misericórdia de Deus. Lembrei as dores de quem sofre e precisa de mim, como padre, como amigo e como pessoa. O assunto é deveras difícil, inquietante e fracturante. Quem tenta ser sério a pensar nele, fica incomodado.
Partilhei com um colega sacerdote as dúvidas e dificuldades nestes meus raciocínios e reflexões, e ele reagiu dizendo-me que continuaria a agir como se não estivesse no direito de julgar ninguém. Depois de o escutar e barafustar um pouco com ele, porque a sua resposta fora demasiado rápida e me parecera irrefectida, ele insistiu repetindo, quase sílaba a sílaba o que acabara de dizer. E, embora me custasse inicialmente, ajudou-me a amadurecer a reflexão. Pois do mesmo modo que nunca julguei nem quis julgar alguém que se suicida, também não devo julgar quem quer que seja pelas suas opções erradas. A mim cabe-me, pertence-me, é minha missão, ajudar as pessoas a fazer as melhores opções. Ajudá-las a pensar para além delas e do seu sofrimento. Fazer os possíveis para dar mais formação aos nossos cristãos, em particular os meus paroquianos. Mas depois, se calhar, devo deixar que Deus faça o seu trabalho. Porque não me pertence julgar. Pertence-me amar! Mesmo que, amando dessa maneira, o meu coração sofra por dentro. Amar é mais importante do que o meu sofrer!
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