A disputa começou cedo com um autarca da região Centro a criticar o facto de a UMP (União das Misericórdias Portuguesas) fazer a gestão dos donativos doados para auxílio às vítimas dos incêndios de Pedrogão Grande e concelhos limítrofes, esquecendo que estavam em causa contributos resultantes da mobilização dos cidadãos em torno dum espetáculo de solidariedade apoiado pelos três operadores de televisão generalista. Argumentava que os dinheiros dos contribuintes tinham de ser administrados pelos poderes públicos e não ficar nas mãos de privados. Porém, o promotor do espetáculo definiu previamente quem geria tais fundos – facto de que, dada a sua publicitação, todos os cidadãos contribuintes tiveram conhecimento mais que suficiente. Poderia ter sido de outro modo, mas foi assim que a organização decidiu e com a maior transparência. E o Presidente da UMP interveio nesse espetáculo agradecendo e informando como iria ser gerido esse bolo de donativos.
Mais tarde, Valdemar Alves deu o braço a torcer, aduzindo que a UMP tinha aderido ao fundo criado pelo Governo, sem explicar em que sentido e quais as consequências de tal adesão.
Agora, a comunicação social dá como nota de relevo a informação de que “autarcas questionam onde está o dinheiro das contas solidárias”. Com efeito, autarcas de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos advertem que solicitarão ao Ministério Público (MP) que perceba junto do Banco de Portugal (BdP) onde pairam os donativos destinados às vítimas dos incêndios, pois dizem desconhecer o destino do dinheiro que foi doado para as vítimas dos incêndios que afetaram a região, pelo que entendem necessária a intervenção do regulador.
Valdemar Alves, Presidente da Câmara de Pedrógão Grande, afirmou ao jornal “I” que não sabem do paradeiro desse dinheiro e que há de haver contas abertas que desconhecem, defendendo que cabia ao Estado ter controlado e distribuído essas verbas. O autarca admite que os donativos de contas abertas no estrangeiro por parte de emigrantes possam também ter sido desviados, embora essas contas “sejam mais difíceis de controlar”.
Suspeitando de
que os donativos tenham sido desviados para outros fins, os autarcas
interessados reuniram-se ontem, 5 de setembro, para discutir a questão.
Entretanto, anunciaram que iriam solicitar ao MP que junto do BdP perceba para
onde foi canalizado o dinheiro das contas solidárias. Segundo Valdemar Alves,
só o dinheiro para a reconstrução das casas destruídas pelas chamas é que é do
conhecimento dos responsáveis das câmaras.
É óbvio que esse
dinheiro tem de ser do conhecimento da autarquia respetiva, porque a ela
incumbe o ónus de aprovar a obra, de cujo projeto têm de constar, além da
memória descritiva e justificativa, as diferentes peças desenhadas, bem como o
orçamento ou, ao menos, uma estimativa orçamental. Por outro lado, se o Governo
criou um fundo público, os autarcas que avoquem o direito de conhecer as contas
desse fundo. Quanto aos donativos entregues a entidades privadas, estas devem,
em primeiro lugar, geri-los de acordo com as necessidades debeladas ou
entregá-los a entidades públicas competentes, se não tiverem essa capacidade de
gestão; em segundo lugar, devem fazer espelhar na contabilidade da instituição
respetiva a gestão dessas verbas e prestar contas a quem de direito –
assembleia geral e, conforme os casos, à Conservatória de Registo Comercial ou
ao Instituto de Segurança Social ou outra entidade competente; e, em terceiro
lugar, ao poder judicial, se houver suspeitas ou indícios de desvio ou de má
aplicação. De resto, francamente, cheira-me a eleitoralismo de proximidade que
se torna vergonhoso por ser sintoma da ânsia pelo perfume do dinheiro, exprimir
desconfiança sobre a honestidade dos outros, como se os autarcas fossem os
únicos seres honestos, e configurar um ultraje às vítimas e um insulto aos
gestores das entidades não públicas. E a que propósito vai o BdP, que
supervisiona e fiscaliza bancos (e mal), fiscalizar a UMP, as Cáritas, as IPSS, etc.?
Por seu turno, a vice-presidente do PSD Teresa Morais
veio exigir esclarecimentos adicionais ao Governo sobre os donativos privados
às vítimas dos incêndios florestais da região Centro, em junho, considerando o
valor apurado “ridiculamente baixo”. Disse a deputada socialdemocrata, em
conferência de imprensa, na sede nacional do PSD, em Lisboa:
“A resposta
é a de que foram submetidos termos de adesão de donativos de 3,2 milhões,
estando concretamente transferidos 1,9 milhões. Este valor é – julgo que toda a
gente anuirá – muito baixo e ridiculamente baixo, se comparado com as
expectativas criadas pelos números que foram divulgados.”.
Segundo esta dirigente após questões colocadas em
julho e agosto pelo PSD, a resposta do executivo surgiu agora por intermédio do
Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva. E
Teresa Morais insistiu:
“Esse
número, que circulou na opinião pública e publicada, nunca teve confirmação
oficial, mas a verdade é que ouvimos números que rondavam os 13 a 14 milhões [de
euros]. Precisamente porque nunca foram confirmados pelo Governo e era
importante saber qual o valor exato dos donativos dos portugueses, também das
comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, é que perguntamos qual o exato
valor dos donativos de particulares.”.
As frentes de fogo, que afetaram as regiões de
Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos provocaram, pelo
menos, 64 mortos e mais de 200 feridos. Por isso, desafiou:
“Cumpre ao
Governo, que entendeu criar um fundo público, gerido por uma entidade pública e
tutelado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social,
explicar cabalmente aos portugueses que valores são estes, onde estão os
restantes donativos, quem os está a gerir e em que termos”.
A dirigente do PSD considerou que a discrepância
apontada “revela total descoordenação e incapacidade” do Governo em gerir os
donativos privados, afirmando:
“O Governo
entendeu que devia ser ele a gerir os donativos que os portugueses fizeram na
sua expressão de solidariedade e, no entanto, responde agora que há 1,9 milhões
[de euros] no fundo que para isso criou. É absolutamente imperioso que
esclareça o valor dos restantes donativos e dê uma explicação acerca dessas
quantias e qual o destino que lhes está a ser dado.”.
Também o Primeiro-Ministro veio a terreiro explicar-se, dizendo que o Estado, após a tragédia do incêndio de Pedrógão Grande, só organizou um fundo, o ‘Revita’, que tem 1,9 milhões de euros e é gerido conjuntamente com as autarquias e sociedade civil.
Falando aos
jornalistas em Lisboa, antes da cerimónia de entrega do Prémio Champalimaud de Visão, presidida pelo Chefe de Estado,
Marcelo Rebelo de Sousa, o líder do executivo declarou, sobre a controvérsia em
torno da aplicação das verbas doadas por cidadãos às vítimas do incêndio de
junho em Pedrógão Grande, no distrito de Leiria:
“Depois do extraordinário movimento da
sociedade civil, é essencial que os portugueses tenham toda a informação sobre
o destino das verbas que doaram generosamente”.
E explicou:
“As pessoas deram o dinheiro às
entidades que entenderam. O Estado organizou um fundo, o ‘Revita’, que até ao
momento só recebeu donativos no montante total de 1,961 milhões de euros.
Relativamente às verbas do fundo ‘Revita’, as intenções de doação chegam até
4,9 milhões de euros, apesar de, efetivamente, só termos recebido até agora 1,9
milhões. Sendo um fundo público, é gerido em conjunto com as autarquias e com a
sociedade civil.”.
Especificando a
forma de gestão e funcionamento do “Revita”, António Costa apontou que o
Conselho de Administração é constituído por: um elemento do Instituto da
Segurança Social, o Presidente da Câmara de Castanheira de Pera (em representação das autarquias) e o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Pombal
(este representando as entidades da
sociedade civil). São estas três pessoas
que gerem esse 1,9 milhões de euros.
De acordo com o
líder do executivo, a verba de 1,9 milhões de euros destina-se prioritariamente
a dois objetivos: o apoio à reconstrução das habitações, onde cerca de 19 já
tem obras em curso ou concluídas após financiamento deste fundo; e o apoio a
agricultores cujos prejuízos se situam entre 1053 e cinco mil euros”.
Interrogado sobre as críticas feitas ao Governo pelo PSD a propósito do destino
dos donativos para as vítimas do incêndio de Pedrógão Grande, Costa contrapôs
que, no atinente ao Estado, “as regras são totalmente transparentes”. E alegou:
“É bom que se esclareça que grande
parte dos donativos não foi recebida pelo Estado. Por exemplo, a RTP, que promoveu
um espetáculo e recebeu bastante dinheiro, entregou-o a uma outra entidade – e
só a RTP pode explicar o destino que lhe deu.”.
Aqui baralhou-se
se não queria referir a conta solidária que a RTP abriu e atribuiu à
Misericórdia de Pedrógão. Mas ainda, segundo Costa, para que ficasse claro que
o “Revita” não era um fundo do Governo, o executivo decidiu avançar para uma
gestão tripartida, incluindo as entidades representativas da sociedade civil,
sustentando:
“O Estado só responde pelo dinheiro que
lhe foi confiado e, nesse sentido, para que não haja mais dúvidas, pedi ao
Ministro da Solidariedade [Vieira da Silva] que publicasse no site do fundo ‘Revita” um quadro com o
montante doado e destino que está a ser dado a cada uma das verbas”.
O Fundo “Revita”,
a que se refere Costa, foi criado para gerir os donativos para apoio às vítimas
do incêndio que começou em 17 de junho, em Pedrógão Grande, e conta com mais de
20 entidades aderentes, num total de cerca de 2 milhões de euros já recebidos,
como refere um comunicado enviado à agência Lusa
pelo MTSSS (Ministério do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social), que
afirma:
“Até à data, aderiram ao fundo mais de
duas dezenas de entidades, com donativos em dinheiro, em espécie e em prestação
de serviços, tendo sido entregues donativos em dinheiro no valor de cerca de 2
milhões de euros”.
Segundo o
comunicado, os donativos apenas são entregues ao “Revita” por decisão dos
doadores, sendo que o Governo e o Conselho de Gestão do fundo têm também
cooperado com a Cáritas Diocesana de Coimbra, a UMP e a Fundação Calouste
Gulbenkian, que agregaram outros donativos. Por outro lado, o MTSSS explica que
o fundo “Revita” foi criado para gerir os donativos entregues no âmbito da
solidariedade demonstrada, “em estreita articulação com os municípios de
Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande”, frisando:
“A competência do Conselho de gestão do
‘Revita’ cinge-se aos donativos entregues ao Fundo ‘Revita’, sendo que estes
donativos se destinam prioritariamente à reconstrução das habitações afetadas
pelos incêndios e ao seu apetrechamento, bem como ao apoio aos agricultores”.
Questionado
pela agência Lusa, o MTSSS afirmou que “não pode responder sobre outras contas
solidárias e/ou outros donativos, uma vez que se trata de dinheiro de entidades
privadas”, não sendo responsável pela abertura ou fiscalização dessas mesmas
contas.
A
terreiro vem superiormente o Presidente da República afirmar que é preciso
explicar aos portugueses o que lhe explicaram a ele: “de onde veio o dinheiro para fazer frente à tragédia,
quem é que o está a gerir, como e quanto”. E, apelando a que sejam corrigidos eventuais
“lapsos, duplicações ou insuficiências”, pediu que se “evite, nas três semanas
que faltam [para
as eleições autárquicas]
converter [este
assunto] em campanha
eleitoral”. Mais afirmou que “isto tem de ser explicado por quem, a nível
local, tenha uma visão de coordenação”.*
O
BE julga inacreditáveis problemas com os donativos, asserção que explicito por
relevante. Diz Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda (BE):
“As entidades privadas a quem toda a população de boa-fé entregou donativos, têm de saber explicar o que é que estão a fazer com esses donativos e, se houver algum problema, naturalmente as entidades competentes terão de investigar”.
A coordenadora do
BE afirmou hoje, dia 6 de setembro, que acha inacreditável que haja problemas
com os donativos para as vítimas dos incêndios de Pedrógão e reclamou
explicações das entidades privadas que gerem fundos. Considerou ela à margem
duma visita ao Complexo do Cachão, em Trás-os-Montes:
“Eu acho inacreditável que possa haver
problemas naquilo que é pôr a generosidade de toda a população ao serviço de
quem precisa de ser ajudado”.
Por isso,
acrescentou:
“As entidades privadas que têm esses
fundos devem explicar, porque o Governo já deu as explicações e não é no fundo
público que há problema, é nas entidades privadas”.
Catarina Martins
reiterou que “seria uma matéria de bom
senso” as entidades privadas a quem foram entregues donativos darem
explicações sobre o que recolheram e o que estão a fazer com o dinheiro, pois “ninguém no país compreende que não expliquem”.
E, recordando que “o Bloco de Esquerda tem tido uma posição sobre esta matéria
de uma enorme prudência”, afirmou:
“Nós temos dito que nestas questões do
apoio social, das respostas às comunidades, é muito importante a presença do
Estado. Eu julgo que este momento prova um bocadinho essa necessidade.”.
Para a
coordenadora do BE, “com todas as dificuldades que possam existir com a
presença do Estado, as pessoas compreendem bem que há mais escrutínio nos
fundos públicos e que nos privados é que não está a haver esse escrutínio”.
Pelo que isso deve-nos fazer pensar como é que estamos no terreno e como é que
esta solidariedade é efetuada. E, considerando que “as entidades privadas têm
de ser fiscalizadas se houver problemas” e que “têm a obrigação de dar
explicações porque pediram donativos a toda a população”, declarou:
“E, sobretudo, as pessoas que foram
vítimas de tragédia devem ser apoiadas e eu acho que quem foi vítima da
tragédia e vê agora estas notícias, deve-se sentir insultado; não é assim que
se devem tratar as pessoas”.
A líder do Bloco,
para quem é “absolutamente lamentável a forma como este assunto está a ser
tratado” concorda com o apelo de não aproveitamento político feito pelo
presidente da República, vincando que “essa foi a opção do Bloco de Esquerda
desde o primeiro momento”.
Embora
Catarina queira ver o Estado a supervisionar (e até a gerir) toda a matéria atinente a
dinheiros e ações respeitantes à solidariedade (de que muitos discordam), tem a prudência de não exigir
que as entidades privadas a quem os cidadãos confiaram verbas não as entreguem
ao Estado. Exige – e bem – que sejam fiscalizadas em caso de suspeita e entende
que essas entidades deveriam arranjar forma de prestar contas à sociedade pela
forma quantificada e qualificada como administram tais
fundos.
Por
mim, não tenho dúvidas de que é uma exigência plausível, mais do que pretender
controlar ou mesmo abocanhar todos os donativos dos cidadãos. O Presidente
disse o que tem de ser dito: explicação de tudo, segundo a responsabilidade de
cada entidade (pública
ou privada). E penso
que, embora os privados não sejam obrigados a passar além do que foi dito acima
sobre prestação de contas, bem como sobre a fiscalização em caso de dúvidas e o
dever de cooperação pública, parece-me bem que inventem outras formas de se
explicarem publicamente. Isto, sem exageros. Por exemplo, dispenso-os de me
informarem em que pessoa, animal, casa ou planta investiram os meus 60 cêntimos
+IVA (de chamada telefónica) ou o meu bilhete no Meo Arena. Entendidos?
2017.09.06 – Louro de Carvalho
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