terça-feira, 17 de dezembro de 2024
segunda-feira, 16 de dezembro de 2024
Uma Igreja "a coçar pra dentro, a coçar pra dentro"....
A irrelevância política da Igreja
Os “temas” da Igreja estão fora da agenda política e ainda mais dos alinhamentos mediáticos. E, a avaliar pelo correr das águas, dificilmente voltarão a fazer deles parte.
A avaliar pelo que se assistiu nos debates televisivos que marcaram a pré-campanha das próximas Legislativas - e assistimos muito tempo e fomos muitos milhares de espectadores - a Igreja portuguesa tornou-se uma irrelevância política. Nem ela, nem os valores que defende, marcaram presença na longa maratona de esclarecimento para as eleições que se aproximam. Sinais dos tempos? Ou de uma Igreja que se condena e se conforma em falar apenas para dentro, resistindo a tomar parte no mundo em que vive e onde quer atuar?
E houve, seguramente, muitas oportunidades nas perto de dezassete horas de discussão entre os líderes políticos que concorrem a estas eleições. Os debates escorregaram nas horas, encheram noites televisivas com uma avalanche de comentários pós-programa mas, na verdade, só uma vez – uma vez apenas, sublinhe-se - a Igreja foi chamada a antena. E, apenas e só, quando a moderadora da SIC Notícias interpelou o candidato do Chega sobre a sua “fé e devoção ao cristianismo” e o aparente “desalinhamento em relação ao que André pensa e o que a Igreja defende” em matéria de imigração. Foi no dia 6 de fevereiro, no debate com o líder da Iniciativa Liberal e o assunto foi arrumado em segundos e chutado para canto.
Podia ser só uma falta de comparência, explicável num mundo cada vez mais laico, numa sociedade cada vez mais distante de filiações religiosas e onde o princípio de “a César o que é de César” é confortável para todos, Igreja incluída.
Mas, o problema é mais vasto do que isso. Não foi só a Igreja a estar ausente. Também todos os temas que são caros aos católicos faltaram à chamada dos debates televisivos: nem uma palavra sobre a pobreza, as desigualdades, a paz, a inclusão ou sobre qualquer forma de desrespeito pela dignidade da pessoa. Nem uma palavra, repito. Porque os “temas” da Igreja estão fora da agenda política e ainda mais dos alinhamentos mediáticos. E, a avaliar pelo correr das águas, dificilmente voltarão a fazer deles parte.
Só que este silêncio, infelizmente, não significa que está tudo bem. Basta lembrar dois dos temas centrais – a paz e a pobreza – para recordar o quanto o mundo enfrenta uma guerra em várias frentes e o quanto, em Portugal, a miséria ganha foros de uma tragédia silenciada. Meio milhão de portugueses vivem numa condição “severa de privação material e social”, diz a Cáritas, num relatório recente, que mostra como as estatísticas se mantêm inalteradas ao longo dos últimos anos, apesar de todas as promessas, boas intenções e vontade de mudança.
A política e os media arredaram a Igreja das suas agendas, mas isso não é, nem uma condenação eterna, nem uma inevitabilidade das sociedades modernas. O próprio Papa Francisco incentiva os católicos, leigos ou sacerdotes, a uma intervenção política direta. “Embora a Igreja respeite a autonomia da política, não relega a sua própria missão para a esfera do privado”, disse o Papa na Fratelli Tutti. A Igreja “não pode nem deve ficar à margem na construção de um mundo melhor”, nem os seus ministros “podem renunciar à dimensão política da existência que implica uma atenção constante ao bem comum e a preocupação pelo desenvolvimento humano integral”, diz o Papa.
Mas, por cá, há poucos sinais desse espírito missionário. É certo que os bispos do Porto e de Setúbal participaram em manifestações, ora de polícias, ora de médicos, dando voz e solidariedade à defesa dos seus direitos. É verdade que em muitas dioceses foi feito o apelo ao voto e à participação eleitoral. Mas há um longo caminho a fazer. “As decisões políticas do dia a dia não podem ser alheias àquilo que é a nossa sensibilidade e a nossa leitura católica ou de outra religião”, disse D. Américo Aguiar em entrevista recente à RTP3. O problema é que são. E temo que assim continuarão a ser.
Rosa Pedroso Lima
- Basta ver a ordem de trabalhos de tantas reuniões de organismos católicos por essas dioceses fora. Os assuntos são esmagadoramente - se não totalmente - voltados para dentro, para o foro interno. Conselhos pastorais diocesanos, conselhos de presbíteros, conselhos de arciprestes, reuniões de movimentos e grupos, encontros de formação para padres, intervenções dos bispos, reuniões da CEP, etc, etc.
A Igreja só crescente quando se volta para fora; voltada para dentro, torna-se autofágica. Não é que Cristo insiste e persiste na orientação: "Ide, eu vos envio...."?
domingo, 15 de dezembro de 2024
NATAL DE FACHADA E DAS FACHADAS
Gosto de olhar os pormenores. Também nesta quadra de Natal. Continuo a acreditar que o seu centro (causa primeira) seja celebrar o nascimento de Jesus, o Salvador e preparar a Sua vinda gloriosa. Caso contrário, seria mais um feriado, como o Carnaval, o 25 de abril, o 1º de maio ou os santos populares, cada um com as suas motivações, adereços e encenações.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
RAZÕES QUE AFASTAM DA IGREJA A MAIORIA DE FIÉIS E PADRES
Um sacerdote alemão fez uma lista de algumas coisas que não funcionam na Igreja: «Depois de 30 ANOS de serviço, deixo a minha atividade como pároco e o meu serviço ativo na diocese de Münster. Pedi a demissão e abandonei o campo que configurou, durante décadas, os meus dias, a minha vida, a minha pessoa». O padre Thomas Frings foi pároco da cidade de Münster, Alemanha. Agora, decidiu deixar a paróquia e passar um tempo de reflexão num mosteiro. Está desanimado pelo que considera um “esforço inútil” de uma “pastoral esclerosada e inadequada”.
Entretanto, fez uma lista de coisas que não funcionam na Igreja alemã, mas que podem referir-se a qualquer outra Igreja do mundo. São problemas que afastam as pessoas e enfraquecem a instituição eclesiástica (também muitos dos seus padres), deixando-a estranha aos olhos de muitas pessoas:
1- POUCAS VOCAÇÕES, MUITA CONFUSÃO
Segundo Thomas Frings, uma das figuras que gera mais desconfiança é a do seminarista. Ser sacerdote parece o mesmo que pertencer a uma empresa complicada, quase titânica. Seja pelos vínculos tão duros, como o celibato e a promessa de obediência, seja porque não é fácil definir o próprio futuro num contexto em que há falta de sacerdotes e de fé. «Em 1980, comecei a estudar Teologia. Em Münster, éramos 40 seminaristas naquele semestre. Éramos somente a metade em relação a 25 anos atrás. Mas as perspetivas eram boas: 3 postos de capelão em 4 anos, depois pároco. Nas estruturas da época, era algo factível. Quem começa hoje a estudar Teologia, provavelmente já não encontrará esse caminho. Há 30 anos, a estima por esta vocação ainda era muito alta. Não se escolhia ser padre por isso – ao menos normalmente. Mas a perda de consideração certamente não ajuda a estar motivado para isso. (…) Não somos uma empresa. Mas alguém aconselharia um jovem a fazer parte de uma companhia com estas perspetivas e com celibato e promessa de obediência?», pergunta o padre.
2- DISCUSSÕES INFÉRTEIS NOS CONSELHOS PAROQUIAIS
Outro erro que deixa a Igreja pouco atrativa são as discussões que frequentemente se repetem nos órgãos paroquiais. «Que impressão teria um não crente ou uma pessoa de outra religião que participasse das discussões dos conselhos paroquiais, em que são negociados os lugares e horários das nossas celebrações? Quando se negocia meia hora antes ou mais tarde para que dê tempo de fazermos o trabalho no jardim, dormir até mais tarde ou assistir a uma partida de futebol? Quando se falam de costumes e comidas, ao invés de discutir o significado da morte e ressurreição de Jesus? (…) Como podem brotar da Missa a luz e a alegria, esperança e convicção, quando ela já não é tão importante quanto um café da manhã mais tarde ou um jogo entre o Colonia e o Bayern de Munich?», pergunta-se o padre.
3- MUDAR SIM, MAS SEM FERIR SENTIMENTOS
»Às vezes, participo de celebrações litúrgicas e, ao final delas, me pergunto se eu continuaria indo àquela igreja. Ao final da Missa, me sinto verdadeiramente ‘despedido’, no sentido literal da palavra. Às vezes, mesmo como fiel, saio da celebração eucarística e não sei se deveria sentir-me zangado, triste ou até afetado. Nem sempre isso depende do celebrante ou da homilia; geralmente depende do quadro em seu conjunto. Se, por exemplo, querem mudar os costumes e tradições, antes de fazer isso é preciso levar em conta a sensibilidade dos fiéis. (…) Um companheiro contou, visivelmente emocionado, que lhe fizeram uma amável advertência depois de sua primeira Missa na paróquia. Um homem aproximou-se dele e disse: ‘Padre, na nossa paróquia é preciso distribuir a comunhão mais devagar. Nós levamos muito tempo para comungar’. A advertência e a sua formulação diziam muito da atmosfera que reinava na celebração eucarística e na relação existente entre as pessoas da comunidade. Além disso, aquela advertência caiu num terreno disposto a recebê-la», esclarece o Padre Thomas.
4- A PROMESSA BATISMAL NÃO CUMPRIDA
“Prometemos educar o nosso filho na fé”. Quem já participou de um batizado conhece esta frase. E muitos já a pronunciaram, de forma mais ou menos consciente. Hoje, a crise da fé, sobretudo entre os mais jovens, deve-se muito à distância das famílias em relação à Igreja, que se recuaram da promessa feita no batismo.
«Encontrei-me, certa vez, com um casal que tinha deixado a Igreja e queria batizar o filho somente para que ele pudesse frequentar, depois, uma escola diocesana. Eu não batizei a criança. Mas os pais encontraram outro padre que, talvez, tenha tido outras boas razões para fazer o batismo», lamenta o padre. O sacerdote pensa que uma solução poderia ser a “introdução de um catecumenato mais longo” para pais, padrinhos e madrinhas dos batizandos. «Seria, provavelmente, um caminho, mas só funcionará se todas as paróquias seguirem-no».
5- PRIMEIRA COMUNHÃO? UM SHOW!
Sobre os problemas da cerimónia da Primeira Comunhão, Padre Thomas é duro. Hoje, é cada vez mais difícil transmitir às crianças a importância do primeiro “encontro” com o corpo de Cristo. «Reina em todas as partes um grande nervosismo. O salão é arejado, limpo e enfeitado. Os bancos são reservados e o programa com o desenvolvimento da cerimónia é impresso. Vários ornamentos são colocados no caminho da entrada e na fachada da igreja. Depois, chegam eles, os pequenos protagonistas, por quem se gastam tanto tempo e dinheiro. Eles vão vestidos como se fossem a um antigo e prestigioso Gran Hotel, com roupas e adornos de pequenos adultos», diz.
À luz dessas experiências, o Padre Thomas propõe outro modelo de preparação para a comunhão: numa hora as crianças receberiam a explicação sobre a celebração eucarística, noutro momento ensaiariam a celebração e, no domingo, elas já participariam da celebração. No final, todos seriam convidados a seguir a catequese como preparação posterior (não anterior, como acontece hoje), em forma de grupos, com reuniões e participação na Eucaristia do domingo.
6- COMPREENSÃO E AJUDA AOS CASAIS
O casamento pode ser o momento em que os noivos voltam a encontrar a fé. E para que comecem a viver uma nova vida cristã depois de um período de distanciamento espiritual. Mas os padres, geralmente, não dão aos noivos a oportunidade de conhecer a fundo o valor do que eles vão celebrar. Para fazer isso, é preciso compreender a história dos que vão receber o sacramento. «Um dia, veio até mim um jovem casal que havia redescoberto a fé. Eles me contaram isso e também disseram que os membros das suas famílias poderiam participar do casamento, mas não de uma celebração eucarística. Para o casal, era muito importante que a Comunhão fosse dada a todos, mas os seus convidados não saberiam o que fazer com ela. No entanto, eles não queriam renunciar à Eucaristia. Por outro lado, não poderiam excluir o resto da família da celebração. A solução foi simples. O matrimónio foi celebrado com a Liturgia da Palavra e, depois, os recém-casados receberam a comunhão numa Missa, mais tarde», exemplificou o autor.
7- MAU EXEMPLO
O mau exemplo que os responsáveis pelas instituições dão no que diz respeito ao estilo de vida e à ostentação afastam as pessoas da Igreja. Escreve o Padre Thomas: «antes de administrar o sacramento da confirmação, um bispo quis dialogar em tom amistoso com os confirmandos. Ele pediu para que os crismandos perguntassem tudo o que eles queriam saber sobre um bispo. Ele lhes disse: ‘Sou um de vocês, podem perguntar tudo’. Então, um deles respondeu: ‘Senhor bispo, enquanto o senhor se vestir assim e andar nesse carro com motorista, o senhor não será um de nós’».
8- UM VERDADEIRO “CENTRO DE SERVIÇOS” PARA OS FIÉIS E PARA OS DEMAIS
«Se eu vejo a igreja como algo que tenho na minha frente, então posso desejar algo dela, exatamente como o cliente num restaurante, onde ele é rei», explica o padre alemão. «Pode-se argumentar que, na Igreja, fala-se com amor às pessoas e que elas não podem vir com exigências. Efetivamente, isso não deveria acontecer nunca em relação aos sacramentos, mas entre os dois extremos – o pedido e a exigência – há um caminho longo. E quem se aproxima deveria ser bem-vindo», conclui Thomas Frings.
sábado, 23 de novembro de 2024
“O clero é o obstáculo número um à sinodalidade”
“O clero é o obstáculo número um à sinodalidade” porque “não quer perder o poder”, considera o teólogo e padre jesuíta chileno Jorge Costadoat, numa entrevista de fundo publicada pelo site do Instituto Humanitas da Unisinos, na qual defende também uma “dessacerdotalização” da Igreja Católica, no contexto pós-sinodal.
“O Vaticano II, no decreto Presbyterorum ordinis, quis colocar as coisas no seu devido lugar. Ele deu aos ministros a missão prioritária de anunciar o Evangelho. Para tanto, ele reordenou os tria munera (os três serviços ministeriais) nesta ordem: profeta (da Palavra), sacerdote (dos sacramentos) e rei (liderança ou governo). Além disso, ele queria que os ministros fossem chamados presbíteros como se fazia na antiguidade e não sacerdotes (palavra que nunca é usada no Novo Testamento para ministros e que, por outro lado, deixa a porta aberta para reeditar o sacerdócio do Antigo Testamento que, de acordo com o Fardo sobre os Hebreus, Jesus revogou)”.
O que aconteceu, sublinha Costadoat, é que “poucos anos após a sua promulgação, esta reforma tão importante foi deitada ao lixo. Já o primeiro documento importante sobre a formação do clero, em 1970, cinco anos depois do Presbyterorum ordinis, chamava-se Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis. As Ratio nacionais seguiram esse padrão até hoje. Em poucos anos voltamos ao ‘homem sagrado’ que inspira o medo sagrado, que estabelece distâncias com o mundo e as pessoas, que se veste de maneira diferente, que carrega na sua psique uma cisão entre a perfeição que deveria representar e a imperfeição que esconde”.Leia aqui
segunda-feira, 18 de novembro de 2024
A morte é a curva da estrada
A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
Faleceu o Pedro, desculpem, mas eu digo como acredito: o Pedro partiu para os Braços do Pai. Muito novo, tinha apenas 38 anos. Partiu após um doença que cravou garras na sua vida e com a qual travou aceso combate durante estes últimos anos, sempre com apoio indomável de seus pais, irmão e restante família. Contou também com uma equipa hospitalar que dignificou aquele estabelecimento de saúde. A maldita doença aparentemente venceu. Mas penso que, perante a magnitude de alma e a postura serena e superior do Pedro, a abútrica doença deve ter-se refugiado no mais fundo abismo, esmagada e corroída de remorsos pela sua triste figura.
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Há décadas que o FC Porto não sofria quatro golos do Benfica
Em 8/8, escrevia neste blog. "Eu acredito em Vítor Bruno."
- Conferências de imprensa, como diz o povo, que "não interessam ao Menino Jesus". Insípidas, atabalhoados, repetitivas, sem alma, sem ideias.... Pessoalmente deixei de ter pachorra para as ouvir. Não tenho nenhuma saudade do Sérgio Conceição, mas ao nível de conferências de imprensa, o actual treinador nada aprendeu com o antigo mestre.
- Os mesmo erros de sempre sobretudo de ordem defensiva. Alguns desses erros são de estremo basismo. Já vai havendo algum tempo para estabilizar a equipa e conseguir uma ideia e um fio de jogo. Onde anda o Porto pressionante de anos anteriores?
- Porque joga sempre o Varela quando o seu estado de forma actual é um desastre? Há meninos bonitos? Sempre me recordo, mesmo nos momentos mais apagados, o Porto ter um bom meio campo. Era conhecido por isso. Agora nem defesa, nem meio-campo e o ataque vai vivendo duns fogachos deste ou daquele... Falta EQUIPA!
- Quase tudo o que é jogo fora do Dragão com maior grau de dificuldade tem sido perdido. Brilhante, senhor VB!
- Transmite claramente a ideia de pouca experiência e de alguma falta de maturidade competitiva. E o pior é que não se notam progressos.
- Foi preciso esperar décadas pela chegada de VB para o Porto ser goleado pelo Benfica. Brilhante, senhor treinador!
Se se visse algum progresso, pronto até se aceitava, neste ano como de transição e solidificação. Sabemos o estado económico calamitoso em que a anterior gestão deixou o Clube. Não há dinheiro. Penso que a aposta em Vítor Bruno terá passado também por aqui. Um treinador mais barato, com experiência da casa...
Quem gere o Clube estará certamente muito atento e verá quando e se é preciso intervir. Espero que sim, que esteja mesmo muito atento. É que o clima entre os sócios pode escaldar mesmo!!!
sexta-feira, 8 de novembro de 2024
Algumas reflexões ao retornar da segunda sessão do Sínodo
O Bispo norte-americano D. Robert Barron, que participou no último Sínodo, ao regressar a casa, explica, de forma muito franca e simples, quais foram os pontos altos, mas também aquilo que o deixou preocupado com o processo sinodal e as conclusões.
Veja aqui
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
A vitória de Trump não deveria fazer soar as campainhas entre os políticos portugueses?
O voto
das confissões cristãs maioritárias (protestantes e católicos) foi
significativamente para apoiar o candidato Donald Trump, nas eleições desta
terça-feira, 5 de novembro, nos Estados Unidos da América, segundo dados
colhidos em sondagens à boca das urnas, nomeadamente da Associated Press, Washington Post e NBC News.
Em comparação com as eleições de 2020, os resultados do voto dos
membros das diferentes confissões religiosas, captado por uma sondagem à boca
das urnas, foram sensivelmente parecidos com os deste ano, com exceção
católicos. Isso terá ficado a dever-se ao facto de Joe Biden ser um católico
assumido, o que o fez ganhar neste segmento específico a Trump por uma margem
de cinco pontos percentuais.
Trump recebeu, nesta eleição, segundo dados da NBC News, o
apoio de 62 por cento dos eleitores protestantes e outras denominações cristãs
não católicas (contra Kamala Harris com 37 por cento) e 56 por cento dos católicos
(41 por cento para a sua adversária). Na variável filiação religiosa, Harris
conquistou apoios sobretudo entre os judeus, grupo minoritário, e, também entre
os nones (aqueles
que se dizem religiosos, mas não estão filiados numa confissão), que são o
segundo grupo com mais peso e onde a candidata obteve 72 por cento (contra
Trump com 25).
De um modo geral, quando se considera apenas os eleitores brancos,
este quadro repete-se mas com uma vantagem acrescida de apoios para Donald
Trump.
Numa análise mais fina, centrada no voto dos eleitores brancos que
se afirmam evangélicos, em comparação com todos os outros que não se
definem como tal, o presidente eleito colheu 81 por cento dos votos (17 para
Harris). Considerando os que se dizem não evangélicos, a posição inverte-se:
Kamala Harris obtém 58 por cento e Trump apenas 38.
Os resultados de outras fontes, nomeadamente da Associated Press
(AP), podiam variar um pouco dos apresentados, mas as tendências eram análogas.
O estudo da AP apurou que 61 dos eleitores católicos defenderam
que o aborto deveria ser legal em todos ou na maioria dos estados e apenas 38
por cento consideraram que deveria ser ilegal. Para estes eleitores católicos,
Kamala Harris era mais confiável para 46 por cento quanto à política que se
propunha seguir relativamente ao aborto, ao passo que 36 por cento confiavam
mais em Trump quanto a esta matéria.
Em contrapartida, os eleitores católicos confiavam mais em Trump
do que em Harris na questão da imigração (mais 25 pontos percentuais) e
na economia (mais 19 pontos). Os eleitores católicos consideravam (seis
em cada dez) que Harris era muito extrema. Curiosamente uma percentagem
idêntica tinha a mesma impressão acerca de Trump.
Ao analisar estes resultados, a Catholic News
Agency recordou que Trump e o agora vice-presidente
eleito, J.D. Vance, procuraram atrair o voto cristão, e em especial católico,
nas últimas semanas. Trump acusou Harris de ser “destrutiva para o
cristianismo”, enquanto que Vance publicou um artigo de opinião no Pittsburgh
Post-Gazette, em que acusa Harris de “preconceito contra os católicos”.
Por outro lado, vários setores católicos não viram com bons olhos que a
candidata democrata tenha faltado ao jantar que costuma ser organizado pela
diocese de Nova Iorque, que reúne os candidatos e é pretexto para recolha de
fundos para instituições sociais.
Bispos. Padres e Leigos...Há que mudar, há que mudar, há que mudar... Todos, todos, todos!
Que posso esperar?
sexta-feira, 1 de novembro de 2024
Os pontos altos do documento final do Sínodo
I – Descentralização
Começo por falar da descentralização. Eu já tinha dito neste vídeo que a grande novidade deste processo sinodal seria a aposta na descentralização. Julgo que o documento confirma isso mesmo. Chamo a atenção para os parágrafos do 119 até ao 135, que a meu ver contêm o que é mais interessante sobre este aspecto.
Como eu tinha referido, o parágrafo 119 apela à formação de províncias eclesiásticas e agrupamentos nacionais e continentais de igrejas. No 126 refere mesmo as Assembleias Continentais que existiram durante o processo sinodal como exemplos a seguir. Mais do que apenas grupos continentais, contudo, o parágrafo 120 fala de grupos regionais de interesses comuns, dando como exemplo a Amazónia, a Bacia do Congo, ou a zona do Mediterrâneo, sendo que este último abrangeria mais do que um continente. Estes organismos não devem ser, porém, meros ajuntamentos de bispos. Pede-se, no parágrafo 127, o envolvimento de representantes da diversidade do povo de Deus, o que naturalmente envolverá leigos. Aqui, como aliás ao longo de todo o documento, apela-se também ao envolvimento de representantes de outras Igrejas cristãs e até certo ponto de representantes de outras religiões ou grupos sociais relevantes. O factor ecuménico e inter-religioso são uma importante marca deste texto. Antevendo que haverá dioceses ou conferências episcopais que, por diversas razões, têm dificuldade em participar nestes organismos, incumbe-se a Santa Sé de ajudar a encontrar soluções e a agilizar essa participação (parágrafo 128).
O parágrafo 129 é muito interessante, na medida em que apela à realização regular de Concílios Particulares Plenários ou Provinciais. Um Concílio Particular Plenário é um encontro de representantes de todas as dioceses de uma mesma conferência episcopal, no nosso caso abrangeria Portugal todo, e um provincial será um encontro de âmbito mais regional. É natural que, como eu, nenhum de vós saiba o que é um Concílio Plenário nacional, uma vez que o último que se realizou em Portugal foi em 1926!! Contudo, o documento pede que sejam realizados, ou “celebrados” com regularidade. Será que isto irá acontecer?
Parece-me evidente que em Portugal, como em quase todo o mundo, estes concílios acabaram por dar lugar aos plenários da Conferência Episcopal. A diferença é que o plenário da Conferência Episcopal só reúne bispos, e os concílios são muito mais alargados, devendo envolver, segundo o Código de Direito Canónico, vigários gerais e episcopais, superiores de institutos religiosos, reitores de universidades católicas, decanos das faculdades de teologia e de direito canónico, alguns reitores de seminários e ainda “presbíteros e outros fiéis, mas de tal maneira que o seu número não exceda metade” dos compostos pelos vigários, superiores e reitores de universidades”. Ou seja, o concílio particular é uma assembleia muito mais alargada de representantes da igreja. Será que isto vai acontecer?
O documento final refere ainda, de forma categórica, que o Papa é, e continua a ser o garante da unidade da Igreja (#131), mas apela à aplicação do princípio da subsidiariedade, usando o termo “sã descentralização” (#134).
Finalmente, no parágrafo 135 insiste-se que os dicastérios do Vaticano devem consultar as Igrejas locais antes de publicar documentos importantes – Fiduccia Suplicans, anyone? – e, de forma algo estranha, diz-se que “é importante, para o bem da Igreja, que os membros do Colégio dos Cardeais se possam conhecer melhor e que se promovam os elos de comunhão entre eles”. Não faço ideia porque é que isto surge no mesmo parágrafo, mas não deixa de ser uma questão importante, uma vez que o hábito do Papa Francisco de nomear cardeais das periferias, sendo importante como forma de recordar que todos os católicos valem e merecem ter voz em Roma, também pode ser problemática. Basta pensar que quando houver um consistório, os cardeais de locais mais isolados chegarão a Roma sem saber como funciona a máquina, sem conhecer ninguém, sem falar a “linguagem” burocrática. Isto deixa-os à mercê de manipulação por diferentes grupos de interesse que, nessa altura, estarão a tentar contar espingardas. O apelo Assembleia Sinodal pode ser uma resposta a este perigo.
II – Envolvimento dos leigos
Há vários pontos no documento de apelo ao envolvimento dos leigos na vida corrente da Igreja. Olhemos para alguns deles.
No parágrafo 66 sublinha-se que todos os baptizados são chamados à missão, mas diz que “nem todos os carismas devem ser configurados como ministérios, nem todos os baptizados têm de ser ministros, nem todos os ministérios têm de ser instituídos” e, mais à frente, “uma Igreja missionária sinodal encorajará mais formas de ministério laical, isto é, ministérios que não requerem o sacramento da Ordem, e não apenas na esfera litúrgica”. Traduzindo: não é preciso salamaleques. Se a Maria tem jeito para acompanhar velhinhos, ajudem a criar um espaço para a Maria poder acompanhar velhinhos. Não é preciso um decreto, nem um cerimonial, nem uma farda. Se o António lida bem com miudagem e conhece os ensinamentos da Igreja, metam o António a dar catequese, ou a acompanhar um grupo de jovens. Facilitem. Também assim se combate o clericalismo.
O parágrafo 70 contém, de forma quase despercebida, uma verdadeira caixa de pandora. Depois de falar sobre a importância do papel dos bispos, lê-se. “É por isso que a Assembleia Sinodal deseja que o Povo de Deus tenha uma voz maior na escolha dos bispos”. Como? Não faço ideia. Mas estou muito curioso para saber se esta pequena frase se vai tornar letra morta, ou se vai produzir algum efeito.
Há depois umas passagens bonitas e interessantes sobre as fragilidades dos bispos e dos padres, de que os leigos devem tomar nota. “É importante ajudar os fiéis a evitar ter expectativas excessivas e irrealistas do bispo, recordando que também ele é um irmão frágil, exposto à tentação, a precisar de ajuda como todos nós. Uma imagem idealizada do ministério do bispo pode ser um obstáculo” (#71) e, mais à frente, sobre os padres que “também precisam de ser acompanhados e apoiados, sobretudo nas fases iniciais do seu ministério, bem como em alturas de fraqueza e de fragilidade” (#72) referindo-se no parágrafo 74 “as dificuldades bem reais que os pastores enfrentam no seu ministério. Essas referem-se sobretudo a um sentido de isolamento e solidão, bem como sentirem-se assoberbados pelas expectativas”. Traduzindo, novamente: leigos, estejam atentos aos vossos párocos, cuidem deles! Como é que se detecta que um padre está a atravessar um período de fraqueza e fragilidade? Estando próximo. Sejam próximos dos vossos padres!
Temos depois, no parágrafo 77, um apelo mais explícito à participação dos leigos e das leigas na vida da Igreja “explorando novas formas de serviço e ministério em resposta às necessidades pastorais do nosso tempo num espírito de colaboração e de corresponsabilidade diferenciada” que pode abranger “processos de discernimento e todas as fases de tomada de decisão” apelando a um “maior acesso dos leigos e das leigas a posições de responsabilidade em dioceses e institutos eclesiásticos, incluindo seminários, faculdades e institutos teológicos”.
Julgo que neste ponto a situação já esteve bem pior. Tenho visto muitos avanços em relação à expectativa de que o padre seja não só pároco como CEO de N instituições de solidariedade social, responsável dos recursos humanos e gestor. Hoje em dia, graças a Deus, vemos cada vez mais leigos a ocupar essas funções. Mas não deixa de haver dificuldades importantes a referir. A primeira dificuldade é financeira. Uma coisa é meter o padre a acumular funções, outra é ter de pagar um ordenado justo a vários leigos para fazer a mesma coisa. A segunda tem a ver com a disponibilidade dos leigos para assumir papéis em regime de voluntariado. Todos queremos uma maior voz para os leigos nas tomadas de decisão da paróquia, mas nem todos temos paciência ou tempo para ir a mais uma reunião a meio da semana, ou às 16h de um domingo. Acrescente-se a isto que muitas vezes os que manifestam maior vontade de participar são precisamente os que não queremos lá, ou a mentalidade muito típica de Portugal, de que o voluntariado não é uma obrigação, por isso se não me apetece ir não vou, porque nem me pagam. Tudo obstáculos que é necessário ultrapassar.
Termino esta secção com o parágrafo 92 que recorda os limites deste envolvimento dos leigos, sublinhando que “a autoridade do Bispo, do Colégio Episcopal e do Bispo de Roma em relação à tomada de decisão é inviolável, estando enraizada na estrutura hierárquica da Igreja estabelecida por Cristo” e que “na Igreja, o elemento deliberativo é levado a cabo com a ajuda de todos, e nunca sem aqueles cujo governo pastoral lhes permite tomar decisões, em virtude do seu cargo”.
III – Transparência
Esta secção será bastante mais curta, mas achei importante incluí-la e vou até inverter a ordem dos parágrafos como são apresentados no documento.
Assim, no #98 lemos que “a transparência e a responsabilização não devem apenas ser invocadas em casos de abusos sexuais, financeiros e outros. Estes princípios também dizem respeito ao estilo de vida dos pastores, ao planeamento pastoral, aos métodos de evangelização e à forma como a Igreja respeita a dignidade humana, por exemplo, em relação às condições laborais no seio das suas instituições”. Muito importante!
E olho agora então para o #96 onde se lê que “a transparência, no seu sentido evangélico correcto, não põe em causa o respeito pela privacidade e confidencialidade, a protecção das pessoas, a sua dignidade e os seus direitos”.
Usando aqui um exemplo que nos será familiar, quando uma diocese recebe uma denúncia por situação de abuso sexual e ela é considerada credível, a Igreja deve, a meu ver, fazer um comunicado a dar conta disso mesmo. Mas não é necessário que esse comunicado refira o nome do acusado, ou da vítima, nem detalhes que permitam pôr em causa o seu direito ao bom nome e à privacidade. Mais tarde, em caso de condenação, poderá ser desejável ou necessário divulgar alguns desses detalhes, mas o importante é sublinhar que é possível conciliar a transparência e o direito à privacidade e confidencialidade.
Sublinho apenas que este parágrafo 96 inclui uma referência pertinente ao sigilo absoluto e inviolável do selo da confissão, isto numa altura em que ouvimos cada vez mais pessoas a colocar em causa esse princípio.
Filipe d'Avillez , in Actualidade Regiosa, - aqui
quarta-feira, 30 de outubro de 2024
O Sínodo: avanços e recuos
Os avanços
Há aspetos de inegável progresso. Provavelmente, este papa ficará conhecido na história da Igreja sobretudo pelo apoio claro à forma sinodal de organização eclesial. Este é também o elemento mais positivo dos trabalhos sinodais. Se efetivamente posto em marcha, marcará a refundação da Igreja em moldes bem diversos da atual estrutura rigidamente hierarquizada (capturada pelo “poder sagrado”), profundamente avessa à prática da igualdade entre os crentes e alicerçada em formas autoritárias de exercício do poder. Este processo de afirmação monárquica do poder foi-se consolidando ao longo do segundo milénio do cristianismo. O atual processo de implementação da sinodalidade constitui um regresso às formas originárias da vida cristã e simultaneamente uma adaptação às formas democráticas com que os grupos e as nações tendem a organizar-se, pelo menos no Ocidente. Chama-se a isto, em linguagem eclesial: os sinais dos tempos.
A afirmação da sinodalidade fez-se sentir desde logo no próprio processo de auscultação das comunidades cristãs e na forma como o sínodo foi funcionando. Agora, porém, houve mais um elemento importante a considerar. Ao abdicar do “direito” de redigir e publicar uma Exortação Apostólica com base nas conclusões do sínodo, o papa veio dar coerência à prática da sinodalidade que ele próprio tem vindo a propor, mesmo em relação ao exercício do “poder petrino”. De facto, só uma comunidade profundamente hierarquizada (clerical, portanto) pode aceitar que a palavra pessoal do papa constitua o documento final de um sínodo, desvirtuando o valor das conclusões a que o próprio sínodo chegou, vertidas nas suas conclusões.
São também de louvar as orientações do documento final no sentido de se proceder a uma reforma do funcionamento da Igreja de modo a incluir espaços e tempos dedicados à sinodalidade em todos os níveis da sua organização. Há, porém, todo um trabalho a fazer no sentido de tornar tal desiderato realmente operativo, sob pena de o texto não passar de letra morta. O direito canónico e as estruturas que nele estão previstas não incluem esta nova visão do funcionamento da Igreja, pelo que urge proceder à revisão do texto canónico, tornando assim obrigatória a implementação das estruturas de auscultação, ao arrepio do centralismo com que párocos, bispos, conferências episcopais, etc. conduzem a vida interna das suas comunidades.
Os recuos
Em sentido contrário, foi a decisão do papa de retirar da discussão pública, no âmbito do Sínodo, questões determinantes da vida da Igreja. Uma tal decisão foi mesmo a negação da forma sinodal que o papa tem proposto. É assim que observamos avanços e recuos no processo sinodal, vindos exatamente da pessoa que mais tem trabalhado no sentido de propor esta forma inovadora (e fundada na tradição antiga) de organizar a vida eclesial. Torna-se quase incompreensível que o papa Francisco dê tais sinais contraditórios, alimentando assim a ideia assumida por muitas personalidades destacadas da Igreja de que a sinodalidade é coisa transitória e sem futuro e, por isso mesmo, facultativa. Esta conceção está muito mais arreigada do que possamos supor e explica a maneira como muitas paróquias e dioceses continuam a organizar-se a partir dos parâmetros autoritários tradicionais.
O que terá levado Francisco a recuar de maneira tão categórica? Certamente a perceção de que a maioria dos membros do Sínodo seria favorável ao diaconado feminino, à ordenação das mulheres, a mudanças estruturais na moral sexual católica, à ordenação de homens casados, ao fim do celibato obrigatório associado à ordenação presbiteral, etc. Há também na Igreja um receio colossal do confronto de perspetivas, do debate livre de ideias, da tomada de decisão por via democrática. A hierarquia ainda vive claramente apegada ao poder de decidir, independentemente daquilo que possa pensar a maioria do povo cristão. Ainda que Francisco se tenha mostrado, neste aspeto, diferente dos dois papas que o precederam, o receio de os acontecimentos se precipitarem sem o seu controlo tê-lo-á levado a travar o ímpeto reformista que ele próprio pôs em andamento.

Manifestação da Conferência pela Ordenação de Mulheres, no início de Outubro 2024, em Roma, a pedir a ordenação de mulheres na Igreja Católica, coincidindo com a abertura do Sínodo sobre a Sinodalidade. Foto: Direitos reservados
Estamos, portanto, longe de uma Igreja efetivamente sinodal, na qual a hierarquia não se impõe como poder, mas como serviço a uma comunidade que é chamada a tomar decisões acerca do seu funcionamento. A meu ver, os dois sistemas são irreconciliáveis (exceto se se reequacionar o papel da hierarquia). Não há maneira de implementar uma Igreja sinodal que não implique necessariamente o esvaziamento do poder hierárquico no que às decisões fundamentais diz respeito. Tentar conciliar as duas formas organizacionais constitui a quadratura do círculo. Ao atribuir a reflexão sobre os temas candentes a comissões específicas, o papa optou claramente pela forma clerical de poder, negando à Igreja a possibilidade de decidir sobre tais questões. No entanto, esses são exatamente os problemas que mais preocupam as comunidades cristãs! Assim sendo, a ideia com que se fica é a de que a sinodalidade vale apenas quando as conclusões que dela derivam estão em sintonia com as conceções do poder hierárquico. Caso contrário, entra em ação a forma clerical de tomada de decisões, própria de uma Igreja governada autocraticamente, fundada na desigualdade fundamental entre os seus membros.
Não havendo conciliação possível entre estas duas formas de organizar o poder, a Igreja tem de optar. Caso o não faça abertamente, a sua inércia é já uma opção a favor da manutenção da ordem estabelecida.
É, portanto, com muita tristeza que vejo a questão do acesso das mulheres à ordenação adiada para as calendas gregas. O incómodo do prefeito para a Doutrina da Fé, quando questionado sobre o assunto, é disso um sintoma evidente.
As razões apontadas são, na sua maioria, ridículas e falsas. A Igreja é hoje, no Ocidente, praticamente a única estrutura que insiste em negar às mulheres o direito de acederem a certos lugares de chefia, exclusivamente ocupados por homens. Os que preferem manter uma Igreja masculinizada argumentam que a ordenação feminina seria uma forma inaceitável de clericalizar as mulheres. Até posso concordar com esta posição, mas os que a defendem não retiram dela as necessárias conclusões. Se se reconhece que o acesso ao sacramento da ordem é uma forma de clericalizar as mulheres, teria de se reconhecer que a ordenação de homens tem o mesmo efeito nefasto, pelo que, a sermos coerentes, deveríamos eliminar simplesmente o sacramento da ordem. Ou será que só clericaliza mulheres e os homens estão imunes a esse efeito danoso? Não haverá por detrás desta argumentação falaciosa um misoginismo essencial, estrutural e secular, uma desconfiança fundamental em relação ao papel da mulher fora do âmbito estrito da vida familiar? Sejamos honestos na forma como expomos os nossos argumentos! Deixemo-nos de produzir especulação sofística, por forma a defender a todo o custo a ordem secularmente instituída, fundada em conceções preconceituosas sobre a “incapacidade” de a mulher organizar a vida coletiva! Os leigos podem não ter muita formação teológica, mas não são tolos nem gostam de ser tratados como tal.
Esta, a meu ver, foi a maior desilusão dos trabalhos do sínodo. Se o fim do celibato obrigatório era importante, como o era também a ordenação de homens casados, estas duas questões estão longe de se compararem ao problema da discriminação sistemática da mulher na vida eclesial.
Outra grande desilusão diz respeito à reforma da moral sexual. Tudo se passou no imobilismo de sempre, como se não se tratasse de uma questão central e urgentíssima da reforma da Igreja. Uma moral sexual que se ergue como edifício especulativo não respaldado por nenhuma lógica racional, mas baseado no conceito de uma natureza humana cujas características são arbitrariamente determinadas pelos órgãos do poder eclesial, não convence e, portanto, não promove a sua prática na vida de cada cristão. Hoje, temos uma moral pormenorizadamente definida em textos do magistério, mas inteiramente ignorada pela prática da vida de muitos cristãos. Esta esquizofrenia entre a vida e a doutrina talvez devesse levar as instâncias de poder a questionar-se acerca da pertinência do que tem proposto (ou imposto). Afinal, acreditamos que o Espírito se revela através da vida concreta dos fiéis ou reduzimos a sua ação às considerações doutrinais da hierarquia?
Jorge Paulo é católico e professor do ensino básico e secundário