
Serve este estendal para olharmos com mais atenção para este tempo marcado pela tempestade da Covid-19, que praticamente sem aviso nos caiu em cima, arrumando para o lado as nossas agendas, fechando as nossas portas e deixando a nu as nossas limitações. Dizem uns: afinal, Deus e as Igrejas, a fé e a oração não servem para nada, não nos trazem nenhum proveito; dizem outros: e nós que pensávamos que a ciência resolveria todos os nossos problemas! Nem os crentes verdadeiros perderam os seus créditos, nem o saber dos cientistas foi pela água abaixo! O mapa e a bússola para os novos caminhos a trilhar não estão só nas mãos dos crentes que rezam de verdade ou dos cientistas que se esmeram nas suas pesquisas. Deixou-os Deus nas mãos do ser humano, do crente e do sábio, e todos devem lutar, cada um com os dons que recebeu, para tornar este mundo mais belo e saudável e habitável. Deus acredita em nós: por isso, ao criar-nos livres, inteligentes e voluntariosos, repartiu connosco o seu poder e a sua sabedoria, fundando a oração e a ciência, e até não nos impedindo de podermos fazer mau uso dos seus dons. Ao criar-nos assim, responsáveis e livres, convenhamos que Deus correu riscos, mas Deus acredita em nós, confia em nós. Lutemos, pois, com a inteligência e o coração, com a oração; lutemos, pois, com os dados por Deus dados, nos hospitais e laboratórios. De resto, os santos sempre souberam arrastar o mundo para o bem e o bem para o mundo, vergando, para tanto, o coração de Deus. E os verdadeiros cientistas, crentes e não crentes, mas sempre sensatos e sensíveis e humildes, a cada passo são surpreendidos com o incrível e o ainda não explicável!
É bem verdade, podem testemunhá-lo os santos e os verdadeiros homens da ciência: o pão e o sonho que alimenta a vida, Deus o dá aos seus amigos até durante o sono (Salmo 127,2; cf. 1 Reis 3,5). Eu próprio disse e escrevi a meio do ano passado de 2019: «Sendo a vida, então, um contínuo estado de emergência, o bem que deve ser feito agora assume um carácter de extrema urgência». Têm-me perguntado: como é que eu disse e escrevi isto naquela altura, quando ainda não se pressentia nada? Se não se via nada, era por causa do escuro que fazia. Tenho dito e escrito muitas vezes que atravessamos “a noite do mundo”. E de noite, pouco se vê. É preciso perguntar com Isaías: «Sentinela, quanto resta da noite? E a sentinela responde: Já desponta a manhã, mas é ainda noite» (Isaías 21,11-12). É, portanto, necessário que nos postemos sobre a fresta da porta entreaberta (Salmo 106,23), para que algum pingo de luz possa ainda alumiar o nosso olhar, e para impedirmos que a porta se feche.
D. António Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.