terça-feira, 26 de março de 2019

Há pessoas a quem é muito difícil ajudar

Hereditariedade, vícios, falta de autocontrole, arrogância, tendência para ver inimigos por todo o lado formam um caldo de cultura intratável que o elevado grau de inteligência ou falta dela apimentam ainda mais.
Das  andanças por várias escolas no meu tempo de docência, conservo viva esta situação. O Zé (nome fictício) foi meu aluno. Era muito inteligente, mas  de relacionamento difícil. Criava amizades com o mesmo ritmo com que as desfazia. Sobretudo porque desconfiava que os outros estavam sempre a tramá-lo. Recordo  uma vez em que o tive que  levar ao autocarro quase à força, porque se negava a viajar para casa no mesmo transporte em que ia um colega dele, pois achava - sem qualquer fundamento - que esse colega lhe queria fazer mal.
Quando o diretor de turma lhe entrega os papéis de candidatura aos escalões de subsídio, não ligava a mínima. Ao ser-lhe perguntado repetidamente pelo docente quando trazia os papéis preenchidos pelos pais, ou encolhia os ombros ou então referia que não era preciso, que não estava para papelada, que a escola bem sabia da sua situação...
Bastantes vezes a escola teve que chamar o encarregado de educação para compreender a situação e poder ajudar melhor o Zé. Deu para perceber que o aluno herdara uma carga genética que ajudava a explicar o seu comportamento. Era caso para dizer "tal pai, tal filho."
Detestava quem o chamasse atenção ou o contrariasse. Ficava inimigo de quem o fizesse. Fosse quem fosse. Era petulante e agressivo nas respostas.
Tentou-se o seu reencaminhamento para a psicóloga que então vinha à escola algumas vezes por mês. Profissional  estimada por todos os alunos e que tinha sempre muitos para atender. Foi o cabo dos trabalhos convencer o Zé a encontrar-se com a psicóloga. Só o docente com quem mantinha mais simpatia o conseguiu. Ao ser-lhe perguntado pelo docente em causa se gostou, respondeu desabridamente que havia sido uma chatice. E nunca mais apareceu às consultas, pese embora o esforço das pessoas. Ou faltava às aulas no dia da consulta, ou, se apanhado de surpresa, escapulia-se pelo recreio.
O Zé tinha carências económicas. Embora a escola, atendendo ao aluno que era, lhe tivesse conseguido o escala A, rarissimamente tirava a senha. Não estava para essas maçadas... E quando lhe diziam que bastava ir ao conselho diretivo para trazer uma autorização e assim poder comer, o aluno afirmava que não o fazia, que lá só o tramavam, que não gostava daquela gente.
Porque tinha fome, depois pedia aos colegas. Se estes não o atendessem, ui, soltava aquela linguinha desabrida e petulantemente!
O tratamento e acompanhamento médico devido eram o melhor apoio que se podia dar ao Zé. As ajudas pontuais não resolviam o problema de fundo. Mas nem ele nem os pais - "o nosso filho não é nenhum maluco" - estavam pelos ajustes.
Não basta que  haja quem ajude. É preciso que as pessoas queiram ser ajudadas. A fundo. No essencial. O resto... é só tapar o Sol com uma peneira.

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