sábado, 15 de agosto de 2015

Está a causar grande polémica nas redes sociais…


Os alinhamentos e a edição dos media tradicionais são, cada vez mais, feitos fora das redacções, em milhões de computadores ligados em rede e têm o “like” como unidade de medida.
Já passaram oito anos desde a altura em que Barack Obama – ou os seus conselheiros políticos e de comunicação, assim é mais rigoroso – percebeu a importância fundamental das redes sociais e para aí deslocou uma parte importante dos esforços e dos meios da campanha eleitoral que o levou pela primeira vez à Casa Branca.
O caso tornou-se objecto de estudo de comunicação política, tal foi o profissionalismo, a eficácia e o contributo para a vitória atribuido à utilização das novas plataformas electrónicas de comunicação de massas pela campanha Obama 2007 – “Yes we can”, lembram-se?
O mundo não para e se há área que se desloca a uma velocidade maior é precisamente a da comunicação electrónica. Por exemplo, uma plataforma importante para Obama nessa altura foi o MySpace. Foi entretanto reduzida à irrelevância, mas era lá que estavam muitos dos jovens que depois migraram para o novo fenómeno, o Facebook.
As redes sociais crescem e hoje há gerações que ocupam com elas muito mais tempo do que a ver televisão e têm aí a sua principal fonte de informação e de entretenimento.
Há três meses, Hillary Clinton anunciou a sua candidatura às presidências americanas do próximo ano. Não o fez com um comunicado enviado às redacções, nem com uma entrevista a uma das principais cadeias de televisão, nem sequer com um discurso bonito dito num teatro histórico perante uma plateia de personalidades mais históricas ainda. Fê-lo com um vídeo de dois minutos e meio onde os protagonistas são americanos comuns e que tornou público através da sua conta de twitter. Foi assim que a América ficou a saber que Hillary é candidata.
Qualquer semelhança entre isto e o que se está a passar em Portugal limita-se a um capricho do calendário. O tempo que partilhamos é o mesmo mas quando se trata de tentar chegar aos eleitores da forma mais directa e eficaz, os políticos portugueses não são contemporâneos dos americanos. Lá já se está na web 3.0. Aqui continuamos no cartaz de 8×3.
Mas se a comunicação política portuguesa ignora a utilização sistemática, estudada e profissional das redes sociais, o facto é que estas não ignoram os políticos.
A recente polémica com os cartazes do PS – que depois este tentou exportar para os cartazes da coligação PSD/CDS – mostra como a comunicação de massas mudou na última década.
Mudou a velocidade de circulação da informação, que se tornou vertiginosa. Hoje já ninguém espera pelo telejornal das 8 e muito menos pelo jornal de amanhã para saber o que disse hoje um governante nem tem de esperar pelas 24 horas seguintes para saber como reagiu a oposição. Muitos assuntos nascem, vivem e morrem entre as 9 da manhã e as 9 da noite do mesmo dia.
Mudaram também os protagonistas. Há duas décadas só algumas dezenas tinham voz pública. Eram os políticos, académicos, jornalistas e comentadores com acesso aos media, que iam à televisão, falavam na rádio ou escreviam nos jornais. A comunicação era só de lá para cá e para o cidadão anónimo com vontade de intervir no espaço público era uma vitória ver publicada uma “carta ao director”. A internet e as redes sociais democratizaram a comunicação e a intervenção no espaço público. A elite perdeu essa exclusidade e isso é um bem em si mesmo. Tem aspectos negativos? Claro que tem. O “efeito de manada”, o seguimento acéfalo da corrente, é o mais óbvio. Mas é um custo da democracia que se paga muito bem.
Com a mudança de protagonistas está a mudar também a mediação da comunicação. O papel de “gate keeper” – os que decidem o que é e o que não é notícia -, então inteiramente entregue aos jornalistas, vai sendo diluido pela generalidade da comunidade. A quantidade de notícias que aparecem nas televisões, rádios ou jornais cujo “lead” é “Está a causar grande polémica nas redes sociais…” é o espelho mais perfeito dessa deslocação do centro de gravidade. A notícia já não é o facto em si mas sim o “bruááá” que ele causa junto do público, confirmado pelo número de “likes”, comentários ou partilhas feitos nas redes sociais.
A morte do leão Cecil por um dentista americano foi notícia pela indignação pública e global que causou na rede. A polémica sobre a mãe norte-americana que amamenta simultaneamente o seu filho e o de uma amiga estalou porque “a internet reagiu” (ontem, no jornal Sol). E o nosso notório caso dos cartazes de campanha eleitoral não o teria sido há uma década e agora também não o seria não fosse o impacto das redes sociais. Pouco importa se o caso tem ou não substância política – que não tem. Se é relevante na escolha que os portugueses vão fazer no dia 4 de Outubro – que não é. Se é apenas espuma e circo – que é.
Os alinhamentos e a edição são, cada vez mais, feitos fora das redacções, em milhões de computadores ligados em rede e têm o “like” como unidade de medida.
A verdadeira popularização da informação está aqui. O empolamento desporporcionado de temas fáceis, que não são mais do que giros ou caricatos, atropela os que são importantes. É a vitória do interesse do público sobre o interesse público. E se o jogo se está a inverter é por demissão de uma das funções mais nobres dos jornalistas: a selecção criteriosa entre os milhares de assuntos que todos os dias podem ser notícia.
Esta é a primeira eleição em Portugal onde o fenómeno das redes sociais se está a fazer sentir com toda esta crueza.
Com políticos impreparados para se tornarem protagonistas nessas plataformas e incapazes de se deslocarem para o sítio onde estão fatias cada vez mais importantes de cidadãos eleitores e com redacções rendidas à reacção popular imediata, o acessório está a vencer sobre o essencial.
É fácil ter opinião sobre o último cartaz de um partido. Mais difícil é perceber o que é o plafonamento das contribuições para a Segurança Social e ter opinião fundamentada sobre o tema. Mas entre um e outro não tenhamos dúvidas sobre qual é mais importante para a nossa vida individual e colectiva.

Paulo Ferreira, Observador 14/8/2015, lido aqui


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