Os alinhamentos e a edição dos media
tradicionais são, cada vez mais, feitos fora das redacções, em milhões de
computadores ligados em rede e têm o “like” como unidade de medida.
Já passaram oito anos desde a altura
em que Barack Obama – ou os seus conselheiros políticos e de comunicação, assim
é mais rigoroso – percebeu a importância fundamental das redes sociais e para
aí deslocou uma parte importante dos esforços e dos meios da campanha eleitoral
que o levou pela primeira vez à Casa Branca.
O caso tornou-se objecto de estudo de
comunicação política, tal foi o profissionalismo, a eficácia e o contributo
para a vitória atribuido à utilização das novas plataformas electrónicas de
comunicação de massas pela campanha Obama 2007 – “Yes we can”, lembram-se?
O mundo não para e se há área que se
desloca a uma velocidade maior é precisamente a da comunicação electrónica. Por
exemplo, uma plataforma importante para Obama nessa altura foi o MySpace. Foi
entretanto reduzida à irrelevância, mas era lá que estavam muitos dos jovens
que depois migraram para o novo fenómeno, o Facebook.
As redes sociais crescem e hoje há
gerações que ocupam com elas muito mais tempo do que a ver televisão e têm aí a
sua principal fonte de informação e de entretenimento.
Há três meses, Hillary Clinton
anunciou a sua candidatura às presidências americanas do próximo ano. Não o fez
com um comunicado enviado às redacções, nem com uma entrevista a uma das
principais cadeias de televisão, nem sequer com um discurso bonito dito num teatro
histórico perante uma plateia de personalidades mais históricas ainda. Fê-lo
com um vídeo de dois minutos e meio onde os protagonistas são americanos comuns
e que tornou público através da sua conta de twitter. Foi assim que a América
ficou a saber que Hillary é candidata.
Qualquer semelhança entre isto e o
que se está a passar em Portugal limita-se a um capricho do calendário. O tempo
que partilhamos é o mesmo mas quando se trata de tentar chegar aos eleitores da
forma mais directa e eficaz, os políticos portugueses não são contemporâneos
dos americanos. Lá já se está na web 3.0. Aqui continuamos no cartaz de 8×3.
Mas se a comunicação política
portuguesa ignora a utilização sistemática, estudada e profissional das redes
sociais, o facto é que estas não ignoram os políticos.
A recente polémica com os cartazes do
PS – que depois este tentou exportar para os cartazes da coligação PSD/CDS –
mostra como a comunicação de massas mudou na última década.
Mudou a velocidade de circulação da
informação, que se tornou vertiginosa. Hoje já ninguém espera pelo telejornal
das 8 e muito menos pelo jornal de amanhã para saber o que disse hoje um
governante nem tem de esperar pelas 24 horas seguintes para saber como reagiu a
oposição. Muitos assuntos nascem, vivem e morrem entre as 9 da manhã e as 9 da
noite do mesmo dia.
Mudaram também os protagonistas. Há
duas décadas só algumas dezenas tinham voz pública. Eram os políticos,
académicos, jornalistas e comentadores com acesso aos media, que iam à
televisão, falavam na rádio ou escreviam nos jornais. A comunicação era só de
lá para cá e para o cidadão anónimo com vontade de intervir no espaço público
era uma vitória ver publicada uma “carta ao director”. A internet e as redes
sociais democratizaram a comunicação e a intervenção no espaço público. A elite
perdeu essa exclusidade e isso é um bem em si mesmo. Tem aspectos negativos?
Claro que tem. O “efeito de manada”, o seguimento acéfalo da corrente, é o mais
óbvio. Mas é um custo da democracia que se paga muito bem.
Com a mudança de protagonistas está a
mudar também a mediação da comunicação. O papel de “gate keeper” – os que
decidem o que é e o que não é notícia -, então inteiramente entregue aos
jornalistas, vai sendo diluido pela generalidade da comunidade. A quantidade de
notícias que aparecem nas televisões, rádios ou jornais cujo “lead” é “Está a
causar grande polémica nas redes sociais…” é o espelho mais perfeito dessa
deslocação do centro de gravidade. A notícia já não é o facto em si mas sim o
“bruááá” que ele causa junto do público, confirmado pelo número de “likes”,
comentários ou partilhas feitos nas redes sociais.
A morte do leão Cecil por um dentista
americano foi notícia pela indignação pública e global que causou na rede. A
polémica sobre a mãe norte-americana que amamenta simultaneamente o seu filho e
o de uma amiga estalou porque “a internet reagiu” (ontem, no jornal Sol). E o
nosso notório caso dos cartazes de campanha eleitoral não o teria sido há uma
década e agora também não o seria não fosse o impacto das redes sociais. Pouco
importa se o caso tem ou não substância política – que não tem. Se é relevante
na escolha que os portugueses vão fazer no dia 4 de Outubro – que não é. Se é
apenas espuma e circo – que é.
Os alinhamentos e a edição são, cada
vez mais, feitos fora das redacções, em milhões de computadores ligados em rede
e têm o “like” como unidade de medida.
A verdadeira popularização da
informação está aqui. O empolamento desporporcionado de temas fáceis, que não
são mais do que giros ou caricatos, atropela os que são importantes. É a
vitória do interesse do público sobre o interesse público. E se o jogo se está
a inverter é por demissão de uma das funções mais nobres dos jornalistas: a
selecção criteriosa entre os milhares de assuntos que todos os dias podem ser
notícia.
Esta é a primeira eleição em Portugal
onde o fenómeno das redes sociais se está a fazer sentir com toda esta crueza.
Com políticos impreparados para se
tornarem protagonistas nessas plataformas e incapazes de se deslocarem para o
sítio onde estão fatias cada vez mais importantes de cidadãos eleitores e com
redacções rendidas à reacção popular imediata, o acessório está a vencer sobre
o essencial.
É fácil ter opinião sobre o último
cartaz de um partido. Mais difícil é perceber o que é o plafonamento das
contribuições para a Segurança Social e ter opinião fundamentada sobre o tema.
Mas entre um e outro não tenhamos dúvidas sobre qual é mais importante para a
nossa vida individual e colectiva.
Paulo Ferreira, Observador 14/8/2015, lido aqui
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