Deus não é um polícia
a escrutinar os nossos erros. Deus é o Pai que se alegra com o nosso bem. Deus
é misericórdia. A maior festa não é quando se dá o encontro. É quando ocorre o reencontro após o desencontro.
Porque é que, ainda hoje, continua a prevalecer a linguagem
do castigo sobre a cultura da bondade, da compaixão e do amor? A misericórdia
está no coração de Deus e, por isso, no centro da mensagem de seu Filho Jesus.
Pertencer à Igreja só faz sentido a partir de um deliberado compromisso com a
compaixão, o amor e o perdão.
A santidade de Deus não o torna distante. A sua transcendência
não contende com a sua imanência. Como reconhecia Xavier Zubiri, Deus não é
transcendente ao mundo, é transcendente no mundo. Por isso, Ele não se desinteressa da
vida do seu povo. Pelo contrário, está no meio dele e oferece-lhe um suplemento
de esperança e de ânimo. Crer em Deus santo - nota Alejandro Martínez -
significa «crer em Deus transcendente e imanente, longínquo e próximo, que
estimula a confiança das pessoas».
A Igreja acolhe, de Maria, a capacidade para perceber que
Deus intervém na história para salvar, para libertar. Não estamos, pois, diante
de um Deus a-pático, mas de um Deus
supremamente sim-pático. É um Deus que
sente o sofrimento do povo. É um Deus compassivo
e, nessa medida, misericordioso. Ou seja
- e tal como decorre da etimologia -, tem o seu coração voltado para a miséria da humanidade.
É uma misericórdia
inexaurível, que se estende de geração em geração (cf. Lc 1,50). De resto, já
no Antigo Testamento se sabia que «a graça do Senhor permanece para sempre» (Sl
103,17). A chamada parábola do filho pródigo (cf. Lc 15,11-32) ilustra
belamente a natureza divina. Deus acolhe não porque nós mereçamos, mas porque
é Deus, isto é, bondoso, magnânimo.
A salvação não é reclamação humana. Ela tem origem no
coração de Deus. O seu amor jamais se afasta do povo, por muito que este
recalcitre e se revolte (cf. Is 54,10). Esta fidelidade ecoa no final do Magnificat: "Acolheu Israel, seu servo,
lembrado da sua misericórdia» (Lc 1,54).
Maria fala-nos de um Deus que nunca deixa de ser o que é:
misericordioso, sensível ao sofrimento e à injustiça. A Igreja nunca pode
transigir neste preceito. Se nela falta a misericórdia, mesmo que resplandeça
em tudo o resto, falha no essencial.
Só através da misericórdia, ela será capaz de corresponder
à sua natureza e à sua missão: constituir a transparência de Deus no mundo!
Fonte: "Fazei o que Ele vos disser", de João António Teixeira
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