sábado, 18 de julho de 2020

Santa Sofia novamente mesquita


Façam o que fizerem, Ele permanece o seu Senhor

Está decidido: Erdogan decidiu reconverter Santa Sofia em mesquita, revertendo a decisão de 1934 que a tinha secularizado e transformado em museu. Foi mandada construir em 537, pelo imperador Justiniano, um exímio reorganizador do Império Romano, empreendedor do célebre Corpus Iuris Civilis, para ser a catedral de Constantinopla. Após a conquista da cidade pelos otomanos, em 1453, a catedral foi transformada em mesquita. Permaneceu como lugar de culto islâmico até 1934.

De uma grandiosidade imparável, nela se encontram, ou encontravam, inúmeras relíquias, alguns mosaicos restantes, dos quais se destaca o Pantocrator. Apesar da natureza an-icónica do islão, algumas destas imagens ainda persistem. É emocionante notar como no exterior, relegado a um canto, está o púlpito onde terá pregado São João Crisóstomo. Quantos padres, quantas comunidades cristãs rezaram e entoaram hinos ao Senhor, dentro daquelas grandiosas paredes. Hagia Sophia (Santa Sabedoria) é dedicada ao Logos, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, com festa de dedicação a 25 de Dezembro.

A história da Igreja antiga não pode ser olvidada. Grande parte dos lugares pujantes do cristianismo primitivo foram subjugadas ao islão, um dos fenómenos mais tristes da história da Igreja. Não podemos reverter os fatos. No entanto, podemos encontrar semelhanças em relação à perda do património espiritual, eclesial da velha Europa cristã, agora subjugada ao materialismo e à indiferença da pós-verdade.

O momento presente pode ser uma oportunidade fecunda de oração e conhecimento, de encontro autêntico com o Senhor. Roland Barthes (1915-1980) definiu a sabedoria “como nenhum poder, um pouco de sabor, um pouco de inteligência e quanto mais sabor possível”. E, continua, “existe uma idade em que se ensina aquilo que se sabe, mas depois vem outra em que se ensina aquilo que não se sabe: a isto se chama procurar”.

Ao cristianismo hodierno falta-lhe profundidade. Muitos cristãos instalaram-se na modernidade. Há necessidade de procurar novos desertos, como fizeram os monges durante a instalação do cristianismo na política do Império Romano (380). Por isso, muitos procuram outros caminhos que, no entanto, não encontram na Igreja-instituição.

E ainda mais, como muito bem descreve Tomás Halík, “há seres humanos cuja parte consciente, visível e audível da personalidade está de todo saturada, mais ainda, empanturrada de religião… mas quando se conhecem mais de perto não conseguimos defender-nos da impressão de que a sua religião está apenas ali, à superfície. No seu coração estão fechadas, são frias, egoístas, incrédulas.” (Tomás Halík, O Abandono de Deus, p. 52, ed. Paulinas). Segundo a psicologia da profundidade, têm religião, mas não Cristo.

Não será este o maior desafio da nossa pastoral? Se continuarmos na superficialidade, na ausência de Cristo, muitas mais igrejas se tornarão mesquitas, museus ou bibliotecas. Uma das tragédias da Europa é o esquecimento da sua memória, da sua identidade. Não é mais um acontecimento, é um sinal, um alerta. Mas ainda nos resta a esperança de que Ele será sempre o Senhor das comunidades nascidas e alimentadas dentro daquelas paredes.

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