quinta-feira, 6 de setembro de 2018

“Fraude em mais de metade das baixas médicas na educação?”


De acordo com o Jornal de Negócios (acesso pago), que os demais órgãos de comunicação social seguem, a Comissão Europeia conclui, a partir de relatório adrede elaborado sobre absentismo no setor público, ter havido fraude em mais de metade das baixas médicas em trabalhadores da área da educação.

O Jornal de Negócios lembra que, no relatório do Orçamento do Estado para 2018, o Ministério das Finanças já havia revelado que estava a preparar um plano para reduzir o absentismo, com o objetivo de poupar 60 milhões de euros – cerca de 10 milhões de euros eram referentes à área da educação. Uma das medidas previstas do plano de combate ao absentismo era precisamente o reforço dos processos de auditoria e de fiscalização das baixas médicas.

Grosso modo, o predito relatório da Comissão Europeia, por ocasião da oitava avaliação pós-programa de ajustamento, ou seja, após a saída “limpa” da troika do país, baseia-se no facto de terem sido verificadas seis mil baixas por doença no setor com vista à identificação de baixas por doença incorretas, donde resultou que as juntas médicas fizeram regressar ao trabalho mais de metade daqueles trabalhadores.

No documento em causa, Bruxelas adianta que o plano em tempo anunciado para reduzir o absentismo no sector público começou efetivamente a ser implementado. Assim, “a verificação de cerca de seis mil juntas médicas, no setor da educação no final de 2017, para identificar baixas por doença incorretas, contribuiu para o regresso ao trabalho de mais de metade dos casos avaliados”.

A Comissão dá ainda conta de que estavam planeadas mais seis mil ações de fiscalização que deveriam ser levadas a cabo entre março e agosto e que “um novo sistema de monitorização para avaliar o absentismo foi montado”.

Assim, entre março e agosto, mais de metade das seis mil baixas atribuídas por doença na área da educação que foram controladas por uma junta média revelaram-se fraudulentas, como revela a Comissão Europeia.  

Dados da ADSE, avançados pelo Jornal de Notícias em abril, mas referentes a março, davam conta de seis mil professores de baixa médica há mais de dois meses, que estariam à espera de serem chamados para ir a junta médica. Segundo o mesmo jornal, todos os meses cerca de 500 professores são avaliados por juntas médicas.

O objetivo da Comissão Europeia – obviamente também assumido pelo Ministério da Finanças no Orçamento do Estado de 2018 – é reduzir o absentismo. Para o Ministério liderado por Mário Centeno, o objetivo é poupar 60 milhões de euros.

Apesar destas medidas que têm contribuído para “poupanças e ganhos de eficiência”, a Comissão Europeia continua a exigir novas medidas para alcançar as “poupanças substanciais planeadas para os próximos anos”.

E, ao mesmo tempo, o aumento da fiscalização não tem travado as baixas médicas. Nos primeiros 3 meses deste ano, a Segurança Social registou 5 mil pedidos de baixas médicas por dia, mais 800 do que no período homólogo e o valor mais elevado dos últimos 20 anos.

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As reações não se fizeram esperar. A este respeito, João Dias da Silva, da Federação Nacional da Educação (FNE), disse à TSF que, “se houver fraude, é uma culpa que é partilhada entre médico e doente”, pois “há aqui uma situação em que estão envolvidos os profissionais médicos, pelos vistos, em que estarão a passar documentos de doença que não correspondem à verdade”. Com efeito, o atestado médico é solicitado pelo paciente ao médico, o qual, tendo em conta a situação clínica em que o paciente se lhe apresenta na ocasião, lhe passa o documento comprovativo do estado de doença – para o que deve ter em conta alguns requisitos burocráticos e, sobretudo, o respeito pelo quadro dos ditames deontológicos.  

Por seu turno, o Presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Agrupamentos e Escolas Públicas) declarou que os professores, quando faltam por doença devidamente comprovada, estão mesmo doentes e impossibilitados de comparecer ao serviço. E o Bastonário da Ordem dos Médicos garantiu que os seus profissionais, quando atestam uma situação de doença, esta real e não fictícia.

João Dias da Silva, sem se atravessar pela veridicidade de todas as situações de comprovação de doença, como sem acusar funcionários e médicos, parece admitir a hipótese de haver casos de fraude, sendo que aí a culpa será por igual do doente (ou pseudodoente) e do médico. Os outros parecem estar a puxar cada um a brasa à sua sardinha e rejeitar liminarmente a existência de situações fraudulentas.

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No meio de tudo isto, a Comissão Europeia – obviamente com base na informação fornecida pelas autoridades portuguesas, que se têm esfalfado por denegrir os funcionários do Estado e, em particular, os professores – dá azo a que a nossa comunicação social passe à opinião pública alguns equívocos.

Em primeiro lugar, na área da educação, não há somente professores, mas também, embora em bastante menor número, técnicos superiores (por exemplo, psicólogos), assistentes administrativos e assistentes operacionais. E, sobretudo, estes últimos também, quase como os professores, vivem as consequências do ambiente criado nas escolas de “insubordinação” da parte de muitos dos alunos e das exigências caprichosas de muitos dos pais. Porém, o stress maior recai sobre os professores. Só quem por lá passa faz verdadeira ideia do ambiente de muitas escolas e do aproveitamento que se faz da fragilidade de muitos professores, sobretudo na escola pública, que tem de acolher alunos provenientes de todas as situações por mais problemáticas que algumas (muitas) sejam. A isto acresce o excesso de trabalho burocrático disfarçado de pedagógico e sem grande interesse para o sucesso escolar e educativo, bem como reuniões e formação em tempo pós-laboral.

Ademais, os professores do 2.º ciclo e do 3.º do ensino básico e do ensino secundário têm faltas a tempos letivos, sendo a tolerância praticamente de zero. E, embora as faltas a alguns dias por doença possam ser justificadas através do art.º 102.º do estatuto da carreira docente (faltas por conta do período de férias), situações há cuja justificação só é admitida através de doença comprovada. Tal é o caso das faltas a serviço de exames e a reuniões dos conselhos de turma para avaliação sumativa.

Depois, o que paira na comunicação social nestes últimos dias é que as situações de doença em que a junta médica interveio e mandou o trabalhador comparecer ao serviço são efetivamente fraudulentas. E não é assim. De facto, as situações em que a junta médica não manda trabalhar o doente são, em princípio, de doença. Porém, aquelas em que a junta médica manda o trabalhador comparecer ao serviço não são habitualmente fraudulentas, a menos que o trabalhador, enquanto aguarda a intervenção da junta médica se sinta recomposto e não tenha retornado ao serviço por sua iniciativa, o que não é fácil de comprovar.

Sem negar a hipótese de situações fraudulentas, o que se passa é, regra geral, o seguinte: o trabalhador sente-se doente e começa a faltar, avisando o serviço; consulta o médico, que a seu juízo faz a avaliação clínica e decide passar a baixa médica, se o trabalhador está abrangido pelo regime geral de Segurança Social, ou o atestado médico, se o trabalhador está abrangido pelo regime convergente. No primeiro caso, quem tem a obrigação de fiscalizar a situação de doença são os serviços de segurança social; no segundo, são os médicos da ADSE ou o Delegado de Saúde da área – a solicitação da entidade sob cuja égide se encontra o trabalhador. Em ambos os casos, entre o 55.º e o 60.º dia de faltas por doença, o serviço de que depende o trabalhador deve solicitar a intervenção da junta médica da Segurança social ou da ADSE, consoante os casos.

Mas há ainda outra questão: a da verificação da doença. Os serviços da segurança social visitam o doente. Se ele for encontrado na sua residência, procedem à avaliação da situação, decidindo em conformidade; se não o encontram, notificam-no para que retorne ao serviço. No caso do regime convergente, o médico da ADSE ou o Delegado de Saúde visitam o doente, que se o atestado mencionar que pode ou deve seguir em regime ambulatório, o doente deve indicar a que dias e horas pode ser encontrado na sua residência. Se ele for encontrado na sua residência, o visitante procede à avaliação da situação, decidindo em conformidade; se não o encontrar, notifica-o para que retorne ao serviço e pode considerar injustificadas as faltas. 

Porém, casos há em que o dirigente do serviço sabe direta ou indiretamente que o trabalhador não está efetivamente doente, até foi visto a trabalhar noutro ofício, mas, se quiser intervir, escalões superiores da administração desautorizam-no.

E uma coisa é certa: o médico, ao declarar a doença do paciente, limita-se a atestar que examinou o trabalhador e que os sintomas que apresentava naquele momento lhe permitiram concluir que estava efetivamente doente e impossibilitado de comparecer ao serviço, com a previsão (obviamente uma previsão é falível) de que a situação se prolonga por x dias (que devem ser quantificados, não podendo ultrapassar os 30 dias consecutivos). Se o trabalhador mais tarde é encontrado são e escorreito, tal não quer dizer que o atestado tenha sido fraudulento por isso.

Obviamente, sabe-se de casos de baixas e atestados fraudulentos – o que é difícil de comprovar, a não ser em casos em que o superior hierárquico, por si ou por quem tiver essa competência, encontre o trabalhador a trabalhar noutro ofício, e possa legalmente intervir e mudar a situação.

De resto, como diz Carlos Silva, da FNE, “se houver fraude, é uma culpa que é partilhada entre médico e doente”.

Mais fica por saber se os 3000 se referem efetivamente a 2017 ou 2018 (Será confusão propositada?). E como se atacam docentes, se em 60 milhões (de euros a poupar em baixas médicas), Centeno fala só de 10 na área da educação?

Em qualquer caso, as generalizações são injustas e podem ser insultuosas. E os trabalhadores merecem respeito. Ademais, o Governo, que superintende na Administração Pública deveria interrogar-se sobre o motivo por que tantos professores estão em situação de doença comprovada e de doença prolongada. Algo corre mal nas escolas que o Ministério da Educação e o Ministério das Finanças não querem ver! 

2018. 09.05 – Louro de Carvalho

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