Quando se contam estas coisas à gente nova, pensa que estamos a delirar, que não é possível que tal tivesse sucedido há tão poucos anos. E os mais novos reagem à nossa narração, exclamando: "Que nojo!"
Ainda há sessenta anos era assim.
No mundo rural nortenho, as pessoas comiam todas do mesmo prato (um enorme prato colocado no centro da mesa). E o garrafão ou a cabaça pulava de mão em mão, de boca em boca. Como guardanapo, a suja manga da camisa ou da blusa. Quando pais e filhos trabalhavam para o mesmo patrão, à mesa lá se notava o amor paterno ao empurrar discretamente o melhor pedacito de carne para o lugar do filho...
O mesmo acontecia durante os trabalhos agrícolas, ceifas, malhadas, sementeiras, arranca da batata, desfolhadas, etc. Volta e meia, o catraio ia buscar o garrafão conservado sob a água da fonte ou metido no rego da água para não aquecer e começava o jogo. Era solto de mão em mão, de boca em boca, como refrigério da sede e aditivo para as forças que iam faltando. Claro que às vezes, sobretudo nos trabalhos e nos tempos mais secantes, o garrafão era intercalado com o jarro da água (ou refresco). Mas a dança era a mesma.
Naquele tempo, acreditava-se que o vinho dava força, tornava menos penoso o duro esforço do campo. Pura ilusão, sabemos todos hoje. Como aquele comprimido que tira as dores mas não cura a doença, assim funcionava o vinho. Como a droga que transmite uma sensação de euforia, assim agia aquela bebida no corpo mirrado dos pobres trabalhadores do campo.
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