A "mortificação", renúncia, sacrifício, abnegação, autodomínio, privação, são palavras e práticas que se colaram à quaresma acentuando a sua face mais "sangrenta". Nenhum de nós nega a necessidade de morrer para si, a fim de fazer emergir dentro de si a graça do Espírito. Nenhum de nós nega que as opções do Evangelho e a adesão a Cristo implicam renúncias idolátricas. Nenhum de nós nega que a abnegação é um ato de generosidade. Nenhum de nós nega a importância da privação, para recuar de si mesmo e dar espaço aos outros.
O problema é onde pomos o acento tónico:
No que se perde ou no que se ganha?
No que se renuncia ou no que se alcança?
No que se deixa ou no que se encontra?
Se a perspetiva não for a mais positiva, caíremos no risco de nos pensarmos, por fim, pessoas virtuosas, gratificadas com a sensação do dever cumprido, do heroísmo alcançado das práticas mais exigentes, do ramalhete espiritual adornado pelas nossas conquistas.
E então as práticas que nos deviam converter, podem inchar-nos e encher-nos de nós mesmos.
Por isso, tanta "mortificação" dará em podridão espiritual se em vez desta não colocarmos no horizonte a vida nova da Páscoa, fruto da conversão. Então, talvez nos devêssemos focar menos na mortificação, que é apenas um meio, e pôr os olhos na vivificação, que é realmente a nossa meta pascal.
(Amaro Gonçalo)
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