Francisco tem 88 anos e uma saúde frágil. 
Está internado e o mundo que dele gosta e o admira reza por ele, mesmo os que não sabem rezar. 
Tem sido um privilégio ser seu contemporâneo. 
E temos de aproveitar Francisco enquanto aqui está. 
De lhe agradecer a chispa de luz que continua a sair do seu corpo, do seu olhar terno, das suas desarmantes palavras. 
Recordo-me de o ter visto a lavar os pés a um preso transsexual na Quinta Feira-Santa, noite em que se celebra a Última Ceia. 
Lembro-me de o ter observado na visita que fez a um albergue de prostitutas. A maneira como as ouviu, como com elas trocou correspondência. 
Lembro-me daquele homem deformado que nos obrigava a virar a cara, o modo como Francisco se aproximou e o abraçou e lhe beijou as feridas durante uns segundos que me pareceram a eternidade.
Lembro-me de Francisco celebrar a missa para uma Praça de São Pedro deserta pela força de uma pandemia que nos ameaçava com o holocausto.
Lembro-me de como convocou as vítimas de pedofilia para o palácio, de como incentivou os bispos em todo o mundo a abrirem as suas caixas de Pandora. 
Lembro-me de o ver com crianças, a responder-lhes a todas as perguntas ou a pedir aos artistas para não se esquecerem dos pobres. 
Lembro-me quando nos disse que era humano, que gostava de futebol e que adoraria poder voltar a passear incógnito nas ruas de Buenos Aires e a dançar um tango de Piazolla com uma mulher bonita.
2.
Sabes o que Francisco disse a Tolentino Mendonça quando o conheceu fora dos cumprimentos de circunstância?
“Senhor padre, acha que me pode conceder cinco minutos do seu tempo?”
Tolentino ficou atrapalhado, sem saber onde meter as mãos e o sorriso. 
“Sua Santidade, o senhor é que me tem de conceder um bocadinho do seu tempo”. 
E eles foram e encontraram-se no pequeno quarto de Tolentino, divisão que lhe fora destinada num retiro em Roma que, à última da hora, soube que teria a presença de Francisco.  
Falaram quase uma hora. 
E sabes do que falaram? 
De Fernando Pessoa e de Jorge Luís Borges. 
E no final da conversa, Francisco fez silêncio e perguntou a Tolentino se queria rezar com ele. 
3.
Francisco convoca-nos para a ideia de pertença, para o martírio da esperança, para a urgência de questionamento, para a responsabilidade de estar à altura, para a vontade de combater por um mundo mais largo, para a constatação de que um ateu ou um agnóstico é também filho de Deus – mesmo que para ateus e agnósticos Deus continue a não existir. 
E nele não há ponta de medo, já repararam? É como se levitasse por entre contrariedades, obstáculos, inimigos – que os tem e não tão poucos quanto isso. 
4.
Impressionante como não se deixou corromper no olhar, a sua mais poderosa das armas. Um olhar capaz de devolver a dignidade aos que estão na cave do mundo, 
Um homem que tendo feito tanto, que tendo aberto tantas portas, continua a precisar do abraço do mundo para que a revolução não morra com ele. 
Sobretudo por estas horas.
Luís Osório, aqui
 
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