A. A festa não é excepção, mas a regra
1. Está a terminar 
a época das festas e, no entanto, continuamos em festa. Não é a festa dos 
foguetes e das farras, mas a festa do sorriso, a festa do abraço, a festa da 
amizade, a festa da partilha, a festa do encontro: do encontro com Cristo e do 
encontro entre todos em Cristo.
Um cristão nunca 
deixa de estar em festa. Ao contrário do que é usual pensar-se, a festa, para o 
cristão, não é excepção (embora seja sempre excepcional); é a 
regra. A festa está sempre a acontecer. É uma festa simples, é uma 
festa bela. As festas mais simples são sempre as mais belas.
Para muitos, a 
festa é sobretudo interrupção e excesso. A festa será o que 
interrompe o ritmo da vida e o que rompe a cadência do quotidiano. Porque a vida 
costuma ser triste, a festa costuma ser alegre. Porque o quotidiano costuma ser 
feito de escassez, a festa costuma ser feita de excessos. Curiosamente, para o 
cristão, a festa também é tecida de excessos. Não de excessos de comida ou de 
bebida, de excessos de gastos ou de consumo. A festa cristã é tecida de 
excessos, sim, mas de excessos de doação, de excessos de simplicidade, de 
excessos de amor.
2. Em Cristo, Deus 
mostrou-Se excessivo, sumamente excessivo. Como refere o Evangelho deste dia, 
«Deus amou de tal modo o mundo que entregou o Seu Filho único, para que todo o 
homem que acredita n’Ele não se perca, mas tenha a vida eterna»(Jo 3, 16). 
Ninguém é capaz de amar assim. Diria que é preciso ser Deus para amar assim — 
tão excessivamente, tão desmedidamente — o homem.
Deus não tem amor, 
o que pressuporia ter igualmente algo que não amor. O homem tem amor, mas também 
desamor, mas também não-amor, mas também egoísmo, mas também ódio. Deus não. 
Deus não tem amor. Como proclama enfaticamente S. João, «Deus 
é amor»(1 Jo 4, 8.16). Ou, como insistia François Varillon, «Deus não é 
senão amor».
B. A festa das festas
3. A festa cristã 
é a celebração deste excesso, deste excesso de amor. E tal celebração ocorre não 
apenas uma vez por ano, mas todos os domingos e até todos os dias. Pois sempre 
que se celebra a Eucaristia, estamos a tornar sacramentalmente presente este 
excesso de dom, este excesso de amor. Por conseguinte, não há festa só nos dias 
de festa. Para o cristão, todos os dias são de festa. A festa está no tempo para 
estar sobretudo na vida que se vive no tempo.
O ponto alto de 
uma festa cristã não é a procissão, é a Eucaristia. A Eucaristia é a 
essência. A procissão não é a essência, é uma consequência. A 
procissão tanto pode ser realizada como preparação para a Eucaristia 
como pode ser promovida como um seguimento da Eucaristia. O significado 
é o mesmo: do tempo peregrinamos até ao templo, do 
templo peregrinamos até ao tempo.
A Eucaristia torna 
presente o mistério pascal como, aliás, a assembleia reconhece após a 
consagração: «Anunciamos, Senhor, a Vossa morte, proclamamos a Vossa 
Ressurreição; vinde, Senhor Jesus». É um mistério que celebramos no 
templo para testemunhar na nossa peregrinação pelo tempo. De 
certa forma, a Missa não tem fim. Após a celebração sacramental, tem 
início a celebração existencial da Eucaristia. Em suma, termina a 
Missa, começa a Missão.
4. A Eucaristia é, 
pois, uma festa, a festa das festas. Mas é bom não esquecer que se trata de uma 
festa que celebra um drama: o drama de uma morte, o drama da Cruz. Eis, porém, 
que um paradoxo nos visita e uma perplexidade nos assalta. Como é possível fazer 
festa à volta de um instrumento de dor e de um espaço de morte? Não haverá aqui 
alguma dose de masoquismo? 
A Cruz, com 
efeito, não goza de boa reputação. Como lembra S. Paulo, os antigos consideravam 
«maldito» aquele que fosse morto no madeiro (cf. Gál 3, 13). Achava-se que os 
mortos na cruz nem depois da morte tinham descanso: andariam a vaguear pelo 
mundo à maneira de fantasmas. Daí que os romanos não crucificassem os seus 
cidadãos condenados. Só crucificavam os não-romanos. Compreende-se, assim, que 
Jesus e S. Pedro tenham sido crucificados e que S. Paulo não tenha sido 
crucificado, mas decapitado. É que Jesus e S. Pedro não tinham a cidadania 
romana e S. Paulo tinha.
C. Até a morte é vencida pelo 
amor
5. Muita gente 
mostrava dificuldade em aceitar que alguém divino pudesse ser morto e, muito 
pior, morto na Cruz. São bem conhecidas as alegações de Celso e as objecções de 
Clóvis, que depois viria a converter-se. S. Paulo escreve aos coríntios que a 
Cruz era vista como loucura («moria) (cf. 1 Cor 1, 18). Um pouco mais 
tarde, S. Justino vai mais longe e diz que a Cruz era apontada como sinal de 
demência («mania»). 
Como vemos, a tudo 
Se sujeitou Jesus. A tudo foi submetido Jesus. Por amor, Ele morreu e morreu nas 
condições mais humilhantes. Como refere o hino da Carta de S. Paulo aos 
Filipenses, Jesus «humilhou-Se a Si mesmo, obedecendo até à morte, e morte de 
Cruz»(Fil 2, 8). E, de facto, não podia haver humilhação maior. Grande 
humilhação já é a condenação à morte. Suprema humilhação é a condenação à morte 
na Cruz.
6. Acontece que 
Jesus Cristo tudo transforma. Ele transforma a vida e transforma a própria 
morte. Com Ele, já nem sequer a morte é o fim. Como assinalou Hans Urs von 
Balthasar, Cristo inaugura «o fim sem fim». A morte de Cristo é uma morte 
morticida, uma morte que mata a própria morte. É neste sentido que o 
lugar onde Ele morre se torna lugar de afirmação suprema da vida.
Daí a pertinente 
pergunta de S. Paulo: «Ó morte, onde está a tua vitória?»(1Cor 15, 55). A morte 
é forte — cruelmente forte — mas, como já salientava o livro do Cântico dos 
Cânticos, «o amor é mais forte que a própria morte»(Ct 8, 6). Uma vida doada por 
amor tudo vence; até a morte é vencida. Como iremos ouvir no prefácio da Oração 
Eucarística, na Cruz está a salvação, pois «donde veio a morte daí ressurgiu a 
vida e aquele que venceu na árvore do paraíso foi vencido na árvore da 
Cruz».
Na Cruz, até a 
morte foi derrotada. Mas, para ser derrotada, teve de ser assumida. Enorme 
lição, esta. Não é fugindo dos problemas que se resolvem os problemas. Como já 
notava S. Gregório de Nazianzo, «o que não é assumido não é salvo». Na Cruz, 
Jesus assume a morte. Na Cruz, Jesus vence a morte.  Daí que a festa de hoje 
seja também conhecida como festa da «Cruz gloriosa» ou da «preciosa Cruz, 
portadora de Vida».
D. Adoramos o Cristo da Cruz e a Cruz de 
Cristo
7. A Cruz tem uma 
importância muito grande na vida de cada um de nós. Friedrich Schiller até 
chamou ao Cristianismo «a religião da Cruz». Um dia por ano, na Sexta-Feira 
Santa, adoramos a Cruz de Cristo. Em cada dia da nossa vida, somos convidados a 
adorar o Cristo da Cruz. A Exaltação da Santa Cruz acaba por ser a exaltação do 
Crucificado, d’Aquele que deu a vida por nós na Cruz.
A Cruz de Jesus 
Cristo terá sido encontrada a 3 de Maio de 326 por Sta. Helena, mãe do imperador 
Constantino, durante uma peregrinação a Jerusalém. Uma parte dessa Cruz 
encontra-se na Igreja de Santa Cruz de Jerusalém, em Roma. Daí que no ocidente 
se tenha difundido muito a festa que comemora a descoberta (em latim «inventio») 
da Santa Cruz a 3 de Maio. E, em muitas terras, ainda existem festas de Santa 
Cruz nessa data.
Entretanto, no 
preciso local da descoberta, foi construída a Basílica do Santo Sepulcro. Esta 
basílica foi dedicada em 335, com uma parte da Cruz em exposição. A 13 de 
Setembro ocorreu a dedicação e a Cruz foi colocada em exposição no dia 14. As 
peregrinações, como sabemos por exemplo por Etérea, começaram a atrair multidões 
de todo o lado. Por todo o mundo depressa se espalharam relíquias da Cruz e as 
comunidades cristãs gostavam de reproduzir a parte que possuíam do santo 
madeiro: o «santo lenho».
Esta festa passou 
a todo o oriente e também ao ocidente, tendo chegado a Roma no século VII. Após 
o Concílio Vaticano II, as festas de 3 de Maio e de 14 de Setembro foram 
unificadas numa única, precisamente naquela que ocorre neste dia.
E. A Cruz não ficou (apenas) em 
Jerusalém
8. Sabemos, pela 
história e por experiência, que a Cruz não está só em Jerusalém e em Roma. A 
Cruz mantém-se presente em toda a humanidade. A Cruz está por toda a parte não 
apenas como monumento nem tão-pouco como ornamento. A Cruz 
continua activa em tantas vidas crucificadas. A Cruz tem não só uma 
actualização sacramental, na Eucaristia, mas também uma 
actualização histórica e uma actualização vivencial, na 
existência de tantas pessoas.
Cristo continua a 
dar a vida em tantos que são condenados pela injustiça que grassa na terra e 
pela perseguição que persiste no mundo. Como esquecer a cruz dos que morrem à 
fome, dos que morrem sem tecto, dos que morrem sem assistência médica? E como 
teimar em ignorar a cruz dos que morrem por causa da fé e, concretamente, por 
causa de Cristo?
Há cristãos que 
estão a ser mortos só pelo facto de serem cristãos. Para nosso pesar — e, muitas 
vezes, com a nossa indiferença —, em apenas dois dias, 500 mil pessoas (a 
maioria cristãs) foram obrigadas a abandonar Mossul sem poderem levar nada e sem 
terem possibilidade de regressar. Muitas casas têm sido marcadas com a letra 
«nun», a primeira da palavra «Nazareno», o que significa que as alternativas 
são: abandonar a fé cristã, fugir ou ser morto!
9. O século XXI 
tem sido um século de mártires. Tantos que dão tanto em condições tão 
dificultadas. E tantos que dão tão pouco em condições, apesar de tudo, bem menos 
difíceis. É certo que, neste nosso ocidente, as condições para o testemunho da 
fé também não são propriamente fáceis. Mas, pelo menos, ainda sobra alguma 
liberdade. Estaremos dispostos a oferecê-la pelo Evangelho?
Não é possível 
viver sem cruz. Mas também não é impossível viver feliz com a 
Cruz. Como lembrava Karl Rahner, «quem escolhe, escolhe a Cruz». Não se pode 
seguir Jesus sem levar a Cruz com Jesus. Se procurarmos um Cristo sem Cruz, 
podemos ser surpreendidos com uma cruz sem Cristo. E, aí, o peso será 
tremendamente maior, totalmente insuportável. O povo diz — e diz muito bem — que 
a cruz partilhada é menos pesada. Quando aceitamos partilhar a Cruz de Cristo, 
sentimos que Ele já aceitou, primeiro, partilhar a nossa Cruz.
Que todos vós, 
meus queridos irmãos, sintais alívio junto d’Aquele cujo jugo é suave e cuja 
carga é leve (cf. Mt 11, 30). Não tenhais medo de fazer vossa a Cruz de Jesus, 
pois Ele já fez Sua a vossa cruz. Ele é o nosso Cireneu. É Ele que carrega a 
nossa cruz, a nossa cruz de cada dia. Não sobrecarreguemos a cruz dos outros. E 
ajudemos a transportar a cruz aos outros!
Fonte:AQUI
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.