O  processo Face Oculta deu-me, finalmente, resposta à pergunta que fiz ao  ministro da Presidência Pedro Silva Pereira - se no sector do Estado que lhe  estava confiado havia ambiente para trocas de favores por dinheiro. Pedro  Silva Pereira respondeu-me na altura que a minha pergunta era  insultuosa.
Agora, o despacho judicial que  descreve a rede de corrupção que abrange o mundo da sucata, executivos da alta  finança e agentes do Estado, responde-me ao que Silva Pereira fugiu: Que sim.  Havia esse ambiente. E diz mais. Diz que continua a haver. A brilhante  investigação do Ministério Público e da Polícia Judiciária de Aveiro revela um  universo de roubalheira demasiado gritante para ser encoberto por segredos de  justiça.
O  país tem de saber de tudo porque por cada sucateiro que dá um Mercedes topo de  gama a um agente do Estado há 50 famílias desempregadas. É dinheiro público  que paga concursos viciados, subornos e sinecuras. Com a lentidão da Justiça e  a panóplia de artifícios dilatórios à disposição dos advogados, os silêncios  dão aos criminosos tempo. Tempo para que os delitos caiam no esquecimento e a  prática de crimes na habituação. Foi para isso que o primeiro-ministro  contribuiu quando, questionado sobre a Face Oculta, respondeu: "O Senhor  jornalista devia saber que eu não comento processos judiciais em curso (∑)". O  "Senhor jornalista" provavelmente já sabia, mas se calhar julgava que Sócrates  tinha mudado neste mandato. Armando Vara é seu camarada de partido, seu amigo,  foi seu colega de governo e seu companheiro de carteira nessa escola de saber  que era a Universidade Independente. Licenciaram-se os dois nas ciências lá  disponíveis quase na mesma altura. Mas sobretudo, Vara geria (de facto ainda  gere) milhões em dinheiros públicos. Por esses, Sócrates tem de responder. Tal  como tem de responder pelos valores do património nacional que lhe foram e  ainda estão confiados e que à força de milhões de libras esterlinas podem ter  sido lesados no Freeport.
Face ao que (felizmente) já se  sabe sobre as redes de corrupção em Portugal, um chefe de Governo não se pode  refugiar no "no comment" a que a Justiça supostamente o obriga, porque a  Justiça não o obriga a nada disso. Pelo contrário. Exige-lhe que fale. Que  diga que estas práticas não podem ser toleradas e que dê conta do que está a  fazer para lhes pôr um fim. Declarações idênticas de não-comentário têm sido  produzidas pelo presidente Cavaco Silva sobre o Freeport, sobre Lopes da Mota,  sobre o BPN, sobre a SLN, sobre Dias Loureiro, sobre Oliveira Costa e tudo o  mais que tem lançado dúvidas sobre a lisura da nossa vida pública. Estes  silêncios que variam entre o ameaçador, o irónico e o cínico, estão a dar ao  país uma mensagem clara: os agentes do Estado protegem-se uns aos outros com  silêncios cúmplices sempre que um deles é apanhado com as calças na mão (ou  sem elas) violando crianças da Casa Pia, roubando carris para vender na  sucata, viabilizando centros comerciais em cima de reservas naturais,  comprando habilitações para preencher os vazios humanísticos que a aculturação  deixou em aberto ou aceitando acções não cotadas de uma qualquer obscuridade  empresarial que rendem 147,5% ao ano. Lida cá fora a mensagem traduz-se na  simplicidade brutal do mais interiorizado conceito em Portugal: nos grandes  ninguém toca.
Mário Crespo, JN:2-11-2009
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